Quem não gosta cinema, e de comida, bom sujeito não é. Afinal, são dois prazeres sem os quais a vida ficaria um tanto sem graça. Talvez por isso a culinária seja tão revisitada por roteiristas e diretores, que dela se apropriam com diferentes propósitos, mas quase sempre para discutir temas que transcendem o paladar, e vão do amor à tolerância racial.
A 100 Passos de um Sonho, filme do cineasta sueco Lasse Hallström (de Chocolate e As Regras da Vida), que estreia hoje nos cinemas brasileiros, recorre à gastronomia para contar uma edificante história sobre como a linguagem dos sabores pode ser importante na aproximação entre culturas que, aparentemente, se chocam por conta das diferenças que as separam.
Narrado em tom assumidamente romântico, como uma espécie de conto de fadas moderno e até certo ponto idealizado, o filme é a adaptação de A Viagem de Cem Passos, romance de estreia do jornalista Richard C. Morais, ex-editor da revista econômica Forbes.
O personagem central da trama é Hassan (a revelação Manish Dayal), um jovem indiano que aprende com a mãe os segredos da culinária da região de Mumbai, e revela, na medida em que se torna adulto, ter notável talento para a cozinha. Quando um conflito político, seguido de uma tragédia, força os Kadam a deixar o país, Hassan, o pai (Om Puri) e os irmãos partem rumo à Inglaterra em busca de uma nova vida.
Primeiro se instalam em Londres, mas o frio e a escassez de verduras e legumes “que tenham gosto de vida” colocam a família de novo em movimento: precisam encontrar um lugar onde haja variedade de ingredientes frescos, e um gosto cultural pela boa comida. Eles vão parar na França, onde se instalam em uma pequena cidade do interior.
O filme, produzido por Steven Spielberg e Oprah Winfrey, até propõe uma discussão interessante sobre alteridade e racismo, mas prefere apostar em um tom conciliador.
A presença de imigrantes visivelmente diferentes causa certo desconforto em Saint Antonin-Noble-Val, desacostumada a estrangeiros tão, digamos, exóticos. E, para complicar a situação, a família Kadam resolve abrir o seu negócio exatamente em frente a um renomado restaurante de comida francesa, administrado pela Madame Mallory (Helen Mirren, de A Rainha), que vê na chegada dos novos vizinhos uma afronta e, no fundo, ao perceber as qualidades de Hassan, uma ameaça.
O filme, produzido por Steven Spielberg e Oprah Winfrey, até propõe uma discussão interessante sobre alteridade e racismo, mas prefere apostar em um tom conciliador, evitando se aprofundar em uma discussão que daria pano para muitas mangas quando se pensa nas relações raciais na Europa contemporânea, onde há uma escalada do pensamento conservador e xenófobo.
Essa opção não chega a estragar o filme, que reafirma a habilidade de Hallström de contar histórias de interesse humano, e com algo de fábula – como esquecer seu melhor filme, Minha Vida de Cachorro (1985), que o revelou ao mundo e lhe rendeu uma indicação ao Oscar de direção, feito que repetiria com As Regras da Vida, de 1999.
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