Nos anos 1990, Pamela Anderson reinava como uma deusa sexy no imaginário de homens e mulheres do mundo todo. Estrela da série Baywatch, ela chamava a atenção não exatamente pelos seus dotes de interpretação, mas pelo corpo exuberante, pelos cabelos loiros vistosos, a voz sussurrante e o ar sempre provocativo.
Décadas se passaram e Pamela se reinventou lindamente, assumindo-se como uma musa que envelheceu com dignidade, recusando-se a se entupir de procedimentos estéticos e abraçando a sua real aparência. E depois de construir uma carreira sendo objetificada, ela agora busca ser reconhecida por seus talentos. O filme A Última Showgirl, da diretora Gia Coppola (neta de Francis e sobrinha de Sophia), parece uma escolha perfeita para que a atriz projete seu novo plano de carreira.
Afinal, a Shelly Gardner vivida por Pamela Anderson é praticamente uma versão dela mesma, refletindo o seu cansaço enquanto representante de uma cultura que já passou. Shelly é uma showgirl, uma dançarina de teatros e cabarés que se apresenta com figurinos minúsculos e sensuais. Com 57 anos, ela participa há trinta anos do corpo de dança do espetáculo Le Razzle Dazzle, localizado em Las Vegas.
A estética de Gia Coppola parece emprestar alguns elementos da cinegrafia da tia. Assim como nos filmes de Sofia Coppola, ela se utiliza de uma linguagem mais lenta e intimista, em que importa mais o que os personagens sentem do que o que eles fazem
Como Shelly repete várias vezes, o Le Razzle Dazzle é um espetáculo chique, que “segue a tradição do Lido em Paris”. Mas ela parece negar a si mesma que esse tempo já passou. Não apenas isso: que o show se tornou brega e que as exigências atuais em torno das dançarinas são muito maiores do que ela consegue entregar. O teatro tem cada vez menos público e, enquanto suas colegas jovens (vividas por Brenda Song e Kiernan Shipka, a filha de Don Draper em Mad Men) já enxergam o fim do túnel, ela teima em acreditar que seu trabalho continua relevante.
Mas, como sempre, a realidade nunca deixa de se impor. E esses recados vindos do presente vão chegando principalmente por meio de duas personagens: Hannah (Billie Lourd, de American Horror Story), a filha de Shelly que, pelo que entendemos, foi criada pelos tios para que a mãe pudesse trabalhar nas boates; e Annette (uma Jamie Lee Curtis absolutamente entregue ao papel), uma antiga showgirl que, perante o envelhecimento e o vício em jogos, largou a dança e foi se virar como garçonete nos cassinos.
‘A Última Showgirl’ e o fim do sonho
A história começa a andar de fato quando chega a notícia: depois de trinta anos, o Le Razzle Dazzle vai fechar. Para as dançarinas jovens, trata-se apenas do fim de um emprego, mas, para Shelly, é muito mais. Ela precisa então se confrontar com o etarismo inerente ao seu tipo de atividade, e lidar com a crise de sua própria identidade. Afinal, é por conta desse trabalho, que agora deixa de existir, que ela fez escolhas difíceis, como optar por não ver a filha crescer.
A estética de Gia Coppola parece emprestar alguns elementos da cinegrafia da tia. Assim como nos filmes de Sofia Coppola, ela se utiliza de uma linguagem mais lenta e intimista, em que importa mais o que os personagens sentem do que o que eles fazem. Não há grandes acontecimentos em A Última Showgirl, que chama a atenção justamente pela delicadeza e pela entrega de alguns membros do elenco.
Primeiramente, é impossível não destacar a presença comovente de Pamela Anderson, que protagoniza cenas muito tocantes e corajosas. Em uma delas, sua Shelly, prestes a enfrentar o desemprego, faz um teste para um novo espetáculo. Ela diz ao produtor (um Jason Schwartzman quase irreconhecível) que tem 36 anos (“na verdade, 42. Mas a distância ajuda”) e parece disposta a negociar qualquer coisa por uma vaga.
Pamela, que foi indicada ao Globo de Ouro pelo papel, demonstra uma vulnerabilidade que só parece possível a alguém que consegue se identificar com aquela situação. O outro destaque é para a performance forte de Jamie Lee Curtis, uma ex-showgirl derrotada, que parece torrada pelo sol, e que representa tudo o que Shelly pode vir a ser. Há também uma cena muito marcante envolvendo sua personagem que deixa claro por que Curtis ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante recentemente (por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo).
Embora possa parecer um filme superficial em certos momentos, A Última Showgirl tem potencial para conquistar o coração do espectador sensível. No fim das contas, é um filme que fala, de maneira tocante, sobre envelhecimento, sobre etarismo, e sobre o quanto as mulheres podem perder ao longo da vida quando são valorizadas apenas pela beleza. Pode parecer pouca coisa, mas não é. E pelas mãos de Gia Coppola, torna-se uma obra que merece ser conferida.
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