No início dos anos 1990, Pamela Anderson poderia ser vista como uma das mulheres mais poderosas do mundo. Amplamente conhecida por conta de seus ensaios na Playboy e por sua participação na série (bem meia boca) Baywatch, em que aparecia em todos os episódios exibindo seu corpo escultural num maiô vermelho, Pamela foi construída pela mídia como uma das mulheres mais perfeitas que já existiram.
Ela tinha tudo: uma beleza padrão, com um rosto lindo, um ar simultaneamente sedutor e doce, longos cabelos loiros platinados e um corpo invejável – com atenção especial aos seus seios esculpidos. Mas sua perfeição enquanto objeto da mídia e símbolo universal – que servia para homens e para mulheres – ia além disso. Além de lindíssima, ela era meio badass: só se envolvia com homens tidos como bad boys e, mesmo tendo uma aura romântica, era sempre mostrada como uma mulher ativa sexualmente e confortável em mostrar seu corpo nu.
Mas esse “império” de Pamela na mídia começou a ruir em 1994, quando ela e seu então marido, Tommy Lee, sofreram um golpe terrível. Eles sofreram o roubo em sua casa de uma fita VHS caseira, na qual registraram momentos íntimos (incluindo muito sexo) durante sua lua de mel. Só que era então o início da internet comercial, e eles foram uma das primeiras vitimas da comercialização de sex tapes clandestinas de celebridades (toda esta história está contada na série Pam & Tommy, da Star+).
O baque na carreira de Pamela foi imenso. A humilhação sofrida especialmente por ela (afinal, mulheres são muito mais “castigadas” quando sua vida sexual vem a público) perpetuou em Pamela o estigma de mulher marcada pela exibição do seu corpo. De alguma forma, as escolhas que ela tomou por sua carreira, unidas à tragédia do roubo da fita, a acorrentaram para sempre na imagem de alguém apenas ligada à disponibilidade sexual.
Quase trinta anos depois do escândalo da sex tape, Pamela tem voltado à mídia – pela primeira vez, falando com a sua própria voz. Ela lançou um livro de memórias e é alvo do documentário Pamela, uma História de Amor, da Netflix. Dirigido por Ryan White, o filme é uma rica chance de, finalmente, aproximarmo-nos de Pamela Anderson para além do estereótipo que sempre a envolveu.
O tom confessional do filme parece ser o ideal para que Pamela, em sua residência no Canadá, faça uma recapitulação da sua vida incrível.
O tom confessional do filme parece ser o ideal para que Pamela, em sua residência no Canadá, faça uma recapitulação da sua vida incrível. O personagem sex symbol claramente escondeu a essência romântica e simples de Pamela, que manteve desde pequena diários em que anotava suas memórias, e que ela lê ao longo do filme. Quase todos são envoltos em encadernações cor de rosa típicas de uma menina que sonha em se casar (Pamela, aliás, se casou pelo menos cinco vezes, configurando como uma espécie de Gretchen dos gringos).
A direção de Ryan White consegue extrair depoimentos de Pamela e de seus filhos, Dylan e Brandon (filhos dela com Tommy Lee, da banda Mötley Crue), que soam muito autênticos. As falas da atriz e modelo rememoram desde a sua infância, narrando situações de abuso sexual (foi abusada por uma babá e estuprada por um homem na adolescência) e a convivência com o casamento atribulado dos pais, que tinham brigada violentas e retomavam a relação o tempo todo. Subentende-se que isso provavelmente explica a atração de Pamela Anderson por pessoas instáveis (ela revela, ao longo do documentário, ter sido abusada algumas vezes pelos parceiros).
A menina simples do interior do Canadá teve sua vida transformada quando foi descoberta, com então 19 anos, durante um jogo de futebol americano. Convidada em seguida para posar na Playboy, ela encontrou nas fotos de nu a redescoberta de sua sexualidade e a possibilidade de empoderar-se sobre o próprio corpo.
Pamela Anderson: uma mulher “normal”
Ainda que não tenha muita originalidade no formato (o filme segue uma estrutura cronológica bem quadrada) Pamela, uma História de Amor vale a pena por uma descoberta incrível: a de que uma das grandes sex symbols da humanidade tem um humor invejável. Ainda que muitas vezes a história contada seja triste – sobretudo, no que diz respeito à exploração que foi feita de sua imagem, gerando poucos lucros para ela mesma -, Pamela tem uma presença de espírito maravilhosa.
De forma voluntária, ela se prostra em frente à câmera sem maquiagem. Com o rosto limpo aos 55 anos, Pamela Anderson conta com leveza sobre as muitas furadas em que se meteu por conta dos rumos de sua carreira e por sua tendência a se apaixonar por homens pouco confiáveis.
Por exemplo: em certo momento, ela conta que recebeu a proposta da Playboy no mesmo dia em que descobriu que seu então noivo estava a traindo. Ela se dá conta disso de forma inusitada: “Ele estava tendo um caso com alguém. Quando você vê seu namorado lavando o pênis na pia, é um sinal de que ele provavelmente está tendo um caso. E eu escrevi (no diário): ‘Lavar o pênis na pia, suspeito'”.
Por essa e por tantas outras falas dela no documentário, é difícil não se identificar com Pamela – que hoje retoma a sua carreira finalmente mostrando seu talento até então desconhecido para a comédia em uma montagem de Chicago na Broadway. Constantemente explorada ao longo da sua vida, ela diz finalmente ter se apaixonado por si mesma. Quem diria que uma mulher tão idealizada teria tanto em comum com todas nós.
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