O Abutre não é um filme que se fundamenta exatamente em uma premissa original: trata da falta de ética no jornalismo. E esse assunto já serviu de base para diversas histórias no cinema. Mas o fato é que este trabalho do diretor Dan Gilroy reúne dois elementos de destaque que o elevam ao status de ser um exemplar considerável em meio aos tantos elaborados pela sétima arte. Um deles é o roteiro bem construído, que exibe uma espiral ascendente de ambição do protagonista; o segundo é a própria entrega do ator para interpretar o personagem principal. No caso, Jake Gyllenhaal encarnando Louis Bloom.
Bloom é um ladrão que está disposto a mudar de vida e tenta, assim, uma recolocação no mercado de trabalho. No entanto, justamente por seu “currículo” delicado, o que encontra, na verdade, é uma série de dificuldades para alcançar a almejada reinserção social. A oportunidade que ele encara como sendo viável para superar seu passado é atuar como freelancer para telejornais. Mais especificamente gravando tragédias e vendendo as imagens para jornais de TV dispostos a explorar assuntos submersos em sangue, a famigerada exploração da tragédia alheia.
Fica no ar o questionamento sobre as consequências desses tempos nos quais qualquer pessoa, com formação específica ou não, é um “jornalista” em potencial graças à extrema facilidade de registro e compartilhamento de informações.
Como se vê, a ideia central não é lá das mais criativas, não é lá das mais inusitadas, mas a forma como o roteiro expõe o assunto enriquece o resultado final. Quanto mais a história avança, menos o protagonista mostra decência, apesar de sua louvável postura autodidata e de sua admirável metodologia para evoluir como profissional. Gyllenhaal emagreceu consideravelmente para viver esse cinegrafista anti-herói e antiético. A face magra do ator chega mesmo a lembrar o animal do título do filme em português.
Ao final, além de todas as questões éticas, fica no ar o questionamento sobre as consequências desses tempos nos quais qualquer pessoa, com formação específica ou não, é um “jornalista” em potencial graças à extrema facilidade de registro e compartilhamento de informações. Fica o convite para se pensar em que medida essa facilidade na divulgação de mensagens dissipa os limites entre o que é jornalismo propriamente dito daquilo que não passa de um ato de comunicação geral.
A discussão torna-se um pouco mais profunda quando se vê que os próprios jornalistas ditos profissionais colaboram para diluir as diferenças entre o que é informação séria daquilo que não passa de conteúdo banhado pelo espetáculo. Um espetáculo pensado, produzido e divulgado pura e simplesmente para seduzir audiências e ampliar a arrecadação com anunciantes.
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