Não raras vezes, a realidade surpreende e consegue superar mentes criativas quando a tarefa é elaborar roteiros marcantes. Não raras vezes, a própria história encarrega-se de entregar tramas de impacto. Um exemplo disso pode ser visto em Agnus Dei (2016), filme inspirado em fatos reais.
Na trama, uma médica francesa é chamada para socorrer uma jovem grávida em um convento na Polônia, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Aos poucos, a médica descobre que a gestante é uma freira. Mais do que isso: fica sabendo que várias religiosas estão grávidas, vítimas de estupro praticado por soldados. A história, já intensa por natureza, é conduzida com pulso firme pela diretora Anne Fontaine.
Mathilde (Lou de Laâge), a médica, é comunista. Nesse sentido, o filme também é, entre tantas coisas, uma amostra de como integrantes de duas realidades distintas encontram-se, ajudam-se e evoluem conjuntamente em meio ao horror da guerra. A sobriedade impera em Agnus Dei, da interpretação das atrizes à mise-en-scène (conjunto dos elementos dispostos em cada enquadramento), passando pelo roteiro. Ele é bastante criterioso e competente em mostrar como cada personagem reage de um jeito a essa situação tão delicada. Isso acontece sem qualquer deslize em direção ao melodrama, mesmo diante da delicadeza do tema retratado.
O filme é, entre tantas, uma amostra de como integrantes de duas realidades distintas encontram-se, ajudam-se e evoluem conjuntamente em meio ao horror da guerra.
Os elementos que compõem a mise-en-scène são comedidos. Interpretação, iluminação, cenários, figurino, decoração, trilha sonora, adereços e maquiagem são usados na medida exata, com moderação, correspondendo àquilo que se espera da composição do contexto.
Nas cenas externas, os enquadramentos utilizados na filmagem são abertos. Nas ações que acontecem no interior do convento, a opção da cineasta foi pelos closes. A estratégia usada pela diretora intensifica o contraste entre os dois ambientes e, também, a sensação de quão sufocante é a condição vivida na comunidade religiosa.
Essa sensação de tensão fica ainda mais forte quando se considera três agravantes: (1) várias pacientes resistem em entregar-se aos cuidados de alguém de fora; (2) há um empenho grandioso da madre em manter os acontecimentos longe do olhar social; e (3) Mathilde corre perigo ao ajudar as religiosas.
A trilha sonora é marcada, sobretudo, pelo canto das próprias religiosas. Essa escolha narrativa é um recurso que traz raros momentos de paz e transcendência em meio ao caos. Todas essas qualidades fazem de Agnus Dei um filme especial para pessoas sensíveis. E isso, claro, independentemente de religião.
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