É e não é. Embora Animais Fantásticos e Onde Habitam, em tese, pertença ao universo Harry Potter, em momento algum de sua trama o nome do jovem bruxo é mencionado, e mesmo a escola de magia de Hogwarts e o do seu mestre mais notório, Alvo Dumbledore, por enquanto são apenas breves citações. Sabe-se, no entanto, que nos próximos episódios da nova franquia, escrita direto para a tela pela autora escocesa J. K. Rowling, as conexões devem inevitavelmente se tornar mais evidentes. Nesse (ótimo) primeiro longa-metragem, contudo, os personagens são desconhecidos, o enredo é bastante original e o cenário está do outro lado do Atlântico, na cidade de Nova York.
Rowling prova, mais uma vez, ser dona de uma imaginação prodigiosa. É incrível sua habilidade de criar tramas extraordinárias. O enredo, desta feita, se passa décadas antes da ação dos sete livros e oito filmes protagonizados por Harry. E, ao contrário da saga construída em torno de Potter, mais focada no público infantojuvenil, a nova franquia parece também contemplar com mais atenção a plateia adulta, formada, em grande parte, pelos leitores e espectadores que, na infância e adolescência, perambularam pelos corredores de Hogwarts.
A ação de Animais Fantásticos e Onde Habitam se passa nos Estados Unidos da década de 1920, anos de profundas transformações políticas e sociais que sucederam a Primeira Guerra Mundial. O enredo tem início com a chegada a Nova York do bruxo inglês Newt Scamander (Eddie Redmayne, vencedor do Oscar de melhor ator por A Teoria de Tudo). Na metrópole, está a ocorrer uma série de crimes bizarros. Em sua bagagem, Scamander carrega uma maleta, na qual mantém e protege uma fauna bastante peculiar e ameaçada de extinção. Alguns espécimes guardam semelhanças com bichos que realmente existem, e outros são mesmo de outra dimensão. Todos muito divertidos e visualmente incríveis.
A ação de Animais Fantásticos e Onde Habitam se passa nos Estados Unidos da década de 1920, anos de profundas transformações políticas e sociais que sucederam a Primeira Guerra Mundial.
Redmayne, hoje com 34 anos, prova ser um dos nomes mais talentosos e, sobretudo, versáteis, de sua geração. Seu Scamander, um sujeito tímido e atrapalhado, porém carismático, exige uma atuação que seja ao mesmo tempo muito física, mas também com sutilezas de caráter emocional, para escapar da caricatura. E o ator britânico dá conta do recado com brilhantismo
Ao lado de Redmayne está um elenco bastante extenso, que inclui nomes consagrados, como os de Colin Farrell, Samantha Morton, Jon Voight e Johnny Depp (ainda em uma breve aparição, como um personagem que deve crescer na sequência). Mas também há bem-vindos rostos desconhecidos – e em em papéis muito importantes. A britânica Katherine Waterston (de Steve Jobs) e Alison Sudol (da série Transparent), brilham como as irmãs bruxas Tina e Queenie, que têm poderes bem particulares. Uma atração à parte é Dan Fogler (do seriado The Goldbergs), que demonstra notável veia cômica como o “trouxa” (nomenclatura usada no universo Harry Potter para designar os reles mortais) Kowalski, um aspirante a doceiro que se envolve, meio sem querer, com o mundo da magia.
Se o espectador estiver familiarizado com as tramas das obras anteriores de J. K. Rowling, vai identificar sutis aproximações aqui e ali, mas se embarcar em Animais Fantásticos e Onde Habitam sem conhecê-las muito bem, também vai desfrutar da viagem sem problemas. O roteiro, muito bem amarrado, apresenta com clareza e, principalmente, encanto, esse desdobramento, delineando bem os personagens sem cair no excesso de didatismo. A trama flui espantosamente bem.
Quem procurar no filme do diretor David Yates (o mesmo dos últimos quatro Harry Potter) subtextos políticos, é bem possível que encontre. Ainda que a trama se passe há quase cem anos, a América do ótimo Animais Fantásticos e Onde Habitam, na qual pessoas comuns e bruxos dividem espaço com certa tensão no ar, parece estar ameaçada por um familiar divisionismo, que faz lembrar o país que está às vésperas de assistir ao republicano Donald Trump assumir a Presidência da República, com um discurso conservador e xenófobo. Fora da tela, bruxos seriam mais do que bem-vindos!
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