A evolução de J. C. Chandor como realizador impressiona. Estreou, em 2011, com uma obra de fôlego, Margin Call – O Dia Antes do Fim, intenso drama que investiga a crise econômica de 2008, percorrendo os tortuosos bastidores do mercado financeiro. Em seguida, veio Até o Fim (2013), no qual Robert Redford, sozinho em cena durante quase toda a trama, fica à deriva em alto-mar, numa espécie de parábola sobre os limites do culto ao triunfo individual na sociedade norte-americana.
Se ambos são obras no mínimo interessantes, promissoras, anunciando o surgimento de um cineasta potencialmente autoral, e um roteirista capaz de surpreender, O Ano Mais Violento, seu terceiro longa, o consolida como um dos expoentes de sua geração – ele tem 41 anos. Mas, apesar de ter sido citado por várias associações de críticos americanas como um dos melhores filmes de 2014 e ter sido recebido com entusiasmo pela imprensa especializada brasileira, inexplicavelmente foi exibido por apenas uma semana em Curitiba. Uma vergonha, deixo aqui registrado. Nosso circuito exibidor anda deixando muito a desejar faz algum tempo. Parece que está tentando estimular torrents e downloads entre os interessados em ver determinados filmes.
Mais uma vez, Chandor coloca o dedo na artificialidade do mito do sonho americano. A trama se passa em 1981, que, como diz o título do longa, foi um período no qual houve uma absurda escalada da violência em Nova York.
“Com uma narrativa lacunar, que não se explica demais, e permite ao espectador tirar suas conclusões, O Ano Mais Violento instiga com sua trama, muito envolvente. Mas é principalmente o talento de Chandor na mise-en-scène que faz toda a diferença aqui.”
Na cidade norte-americana, o imigrante hispânico Abel Morales (Oscar Isaac, de Inside Llewyn Davis – Balada de Um Homem Comum) parece ser a encarnação desse mito de triunfo pessoal tão cultivado pela sociedade ianque. Só que não. Proprietário de uma empresa de transporte e distribuição de combustíveis, ele vem sendo vítima de sucessivos roubos. Seu sucesso parece estar incomodando a concorrência.
Morales, contudo, não é exatamente uma vítima. A promotoria pública o investiga: ele está sob suspeita de evasão fiscal e outros crimes financeiros. A esposa de Abel, Anna (Jessica Chastain, brilhante), filha de um chefão do crime organizado, responde pela contabilidade da empresa do marido. Manipuladora e com um senso ético no mínimo flexível, ela é partidária da máxima de que os fins justificam os meios e, não se sabe em que medida, essa postura pode ter tirado Abel dos trilhos da legalidade.
Com uma narrativa lacunar, que não se explica demais, e permite ao espectador tirar suas conclusões, O Ano Mais Violento instiga com sua trama, muito envolvente. Mas é principalmente o talento de Chandor na mise-en-scène que faz toda a diferença aqui.
Com planos que se estendem, contrariando a estética da velocidade e do excesso de explicações que impregna o cinema hollywoodiano, o filme pode gerar um desconforto bem incômodo aos mais impacientes. Mas é justamente essa estética, que permite ao espectador preencher vazios com suas suposições, que fazem do longa uma obra tensa e instigante. O tempo todo tentamos adivinhar o que, de fato, se passa na vida de Abel, que nunca vemos por inteiro, algo bastante ousado no cenário atual.
Não há explicações, flashbacks, diálogos que elucidem. Cabe a nós a tarefa de montar o quebra-cabeças, a partir de pistas discretas oferecidas ao público ao longo da narrativa, sem alarde, sempre com sutileza. Do passado do protagonista, descobrimos pequenos detalhes muito aos poucos;
A reconstituição de época, por meio da direção de arte e dos figurinos, igualmente discreta, é fundamental na construção da atmosfera muito envolvente de O Ano Mais Violento. Mas talvez seja a fotografia de Bradford Young (de Selma), que consegue fazer o arremate à essa estética ao mesmo tempo intimista e algo claustrofóbica em que menos é sempre mais.
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