Desde os anos 1980, os irmão Joel e Ethan Coen se especializaram na elaboração de comédias de estilo único, que fazem rir pelo deboche com a “caipirice” de certa parcela da população americana e pela paródia realizada com os gêneros cinematográficos. O ápice de sua produção provavelmente foi atingido com Fargo (1996) e o cult O Grande Lebowski (1998). Mas há riqueza também em suas obras menores. Uma delas é Arizona Nunca Mais, o segundo filme da dupla, dirigido em 1987. É uma comédia despretensiosa que parece apostar em uma mistura inusitada: há traços de um western combinados com o humor pastelão, somados a elementos de um road movie a la Mad Max.
O longa é estrelado por Nicolas Cage e Holly Hunter, ambos em início de carreira. Ele faz H.I. McDonnough, um ladrãozinho chave de cadeia com uma pegada espirituosa em cada uma de suas falas. Ao ser preso diversas vezes, quem tira o seu retrato é a policial Edwina “Ed”, e ambos acabam se apaixonando.
Quando ele é solto, eles se casam e vão resolvem construir sua vidinha modestamente em um trailer. Mas Ed descobre algo terrível: ela é estéril, o que joga um banho de água fria sobre os sonhos da dupla de formar uma família. Desesperados, eles acabam tendo uma ideia nada brilhante: ao ver a notícia de que o empresário do ramo imobiliário Nathan Arizona (Trey Wilson) acabou de ter quíntuplos, H.I. e Ed decidem que esta família não vai sentir falta de um dos filhos, já que é muita coisa para lidar. Roubam então o pequeno Nathan Júnior para criar como se fosse seu.
Embora este seja apenas o segundo filme dos irmãos Coen, Arizona Nunca Mais já evidencia a marca permanente do seu humor, cheio de situações patéticas e piadas espirituosas emitidas pelos caipiras que habitam suas obras.
A partir daí, a trama de Arizona Nunca Mais se desenrola rumo às perseguições na estrada mais alucinadas e nonsense já mostradas no cinema até então. O cenário é o contexto amplamente explorado pelos Coen na maior parte de suas obras: um contexto formado por cidades interioranas nos Estados Unidos em que os moradores são como que versões ianques do Jeca Tatu.
Quase todos os personagens que circundam a trama são extremamente burros. Dentre os mais patéticos, estão dois irmãos criminosos que acabaram de fugir da prisão, onde se tornaram amigos de H.I. Gale (John Goodman, um dos atores mais bem aproveitados dentro da cinematografia dos irmãos Coen) e Evelle (William Forsythe) vão, de forma bem inconveniente, buscar acolhida na casa de H.I. e Ed. Mas quando eles desconfiam que o bebê presente na casa do casal talvez seja precioso, sua ambição pulsa e os ladrões resolvem ganhar algum dinheiro.
Ao sequestrar (mais uma vez) o lindo e sorridente bebê Nathan Júnior, eles dão vazão a uma corrida que envolve assaltos a bancos e a lojas de conveniência, explosões, uma perseguição com cachorros de rua (a cena mais hilária de Arizona Nunca Mais), bebês confortos esquecidos no meio da estrada e a entrada na história de um justiceiro meio Hell’s Angel, recém saído da prisão (papel de Randall “Tex” Cobb).
O marco inicial em um estilo peculiar de fazer comédia
Embora este seja apenas o segundo filme da dupla, Arizona Nunca Mais já evidencia a marca permanente do seu humor, cheio de situações patéticas e piadas espirituosas emitidas pelos caipiras que habitam suas obras.
Em uma delas, envolvendo um assalto, os ladrões mandam que os clientes de um banco parem e se deitem no chão. Um incauto rebate: “Senhor, a gente pode deitar e não ficar parado, ou ficar parado e não deitar. Os dois não dá”. Em outra cena, um sujeito compra bexigas num mercadinho e pergunta se elas são daquelas com formas engraçadas. O atendente idoso responde: “Se você acha a forma redonda engraçada, então sim”.
É tudo tão ridículo que se torna adorável, e nos faz torcer para os personagens de H.I. e Ed – por mais que, afinal, eles sejam dois ladrões de bebês. Por fim, preste atenção na participação de Frances McDormand (que no futuro se tornaria esposa de Joel Coen) e Sam McMurray, que fazem um casal de swingers com uma penca de filhos. Arizona Nunca Mais é um dos primeiros acertos de Joel e Ethan Coen na criação de algumas das comédias mais hilárias do cinema.
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