O ator anglo-germânico Michael Fassbender (de Steve Jobs) personifica, em O Assassino, novo longa-metragem de David Fincher (de Zodíaco), um assassino incansável, meticuloso e profundamente profissional. Sua abordagem é cirúrgica, desprovida de improvisação, e até de humanidade, mantendo um controle rígido sobre seus batimentos cardíacos para permanecer sereno e focado. Tudo em seu universo está em perfeita ordem, até que a intervenção ocasional do acaso rompe essa meticulosidade. O filme está em cartaz na plataforma de streaming Netflix.
Em uma sequência que se passa em Paris, um contratempo interfere em sua preparação cuidadosa: um terceiro elemento inesperado, interpondo-se entre ele e seu alvo, acaba tomando o tiro destinado à vítima. A missão, portanto, é arruinada. Para alguém perfeccionista como ele, o erro é abissal em vários sentidos. O personagem, que tem muitas identidades e nomes, por mais organizado e metódico que seja, não está imune ao inesperado.
Mas não é apenas ele que se cobra pelo equívoco fatal. Alguém precisa pagar pelo erro, e a responsabilidade recai sobre ele. Quem o contratou tenta assassiná-lo, mas acaba quase por engano matando, na República Dominicana, a mulher que ele ama, vivida pela atriz brasileira Sophie Charlotte, que tem apenas duas cenas, e só uma com falas. Ainda assim, se sai bem.
A partir desse ponto, inicia-se uma perseguição implacável, uma luta pela sobrevivência – e por vingança. Ele precisa eliminar os responsáveis por sua contratação e aqueles que contrataram esses intermediários, para anular sua ameaça. São muitas pessoas em seu caminho. Sobreviver se torna uma situação de matar ou morrer.
David Fincher é um diretor muito habilidoso, de extremo rigor visual, o que compensa a fragilidade do roteiro, que, a despeito de uma certa originalidade formal, não se aprofunda em qualquer questão, moral, ética ou emocional.
O assassino meticuloso é impelido pela frieza e pelo planejamento, elementos essenciais para seu sucesso. Ele mata para continuar existindo e, portanto, não pode cessar até que todos os obstáculos sejam removidos. Porém, cada eliminação revela mais perigos em seu caminho, que se tornam crescentemente letais.
Quando o personagem se confronta com uma assassina conhecida como a Especialista, interpretada por uma espetacular Tilda Swinton, que tem as melhores falas do filme, o embate é intrigante, pois ela compartilha dos mesmos princípios. Eles conseguem dialogar em pé de igualdade, o que parece alterar a dinâmica da situação.
‘O Assassino’: superficialidade
David Fincher é um diretor muito habilidoso, de extremo rigor visual, o que compensa a fragilidade do roteiro, que, a despeito de uma certa originalidade formal, não se aprofunda em qualquer questão, moral, ética ou emocional. A série de graphic novels do francês Alexis Nolent, no qual O Assassino se baseia, é, para muitos, mais tridimensional e complexa do que sua adaptação.
O filme de Fincher funciona mais como um exercício formal do cineasta norte-americano, que parece também ter buscado inspiração em O Samurai (1967), de Jean-Pierre Melville, um dos clássicos da nouvelle vague. O personagem de Fassbender, muito bem em um papel difícil, se espelha um tanto no assassino solitário vivido por Alain Delon.
Fincher entrega um espetáculo intrigante e envolvente enquanto o assistimos, não há como negar, mas não reverbera, porque não vai muito além da própria ação, que se mostra um tanto vazia no fim das contas. Não há transcendência na jornada do protagonista.
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