A Netflix chegou ao cinema enfiando os dois pés na porta. Beasts of no Nation, drama bélico estrelado por um inspirado Idris Elba, é uma paulada.
O filme teve um processo de lançamento e distribuição um tanto incomum, que fez bastante gente chiar. Além de ser disponibilizado na famosa rede de streaming, o filme estreou simultaneamente em algumas salas de cinema, garantindo assim a elegibilidade para a temporada de prêmios que se aproxima. E caso o filme seja indicado a algum Oscar, não será exatamente uma surpresa, pois é um trabalho de gente grande.
Num país africano não identificado, um golpe militar está em curso e a população se vê acuada no meio da carnificina produzida pelo embate entre o exército e os rebeldes. Acompanhamos o conflito pelo ponto de vista de um garoto que tenta fugir com sua família, mas acaba sendo cooptado por um grupo paramilitar liderado por um comandante (Elba) tão carismático quanto filho da puta.
Beasts of no Nation, baseado no livro homônimo escrito por Uzodinma Iweala, veio para fazer companhia a obras impactantes como Hotel Ruanda e O Último Rei da Escócia, que contam histórias fascinantes ao mesmo tempo em que denunciam a barbárie cometida em solo africano.
Por apresentar um ponto de vista infantil, o filme acaba sendo ainda mais brutal, uma vez que mostra a pureza dando lugar a uma escuridão cada vez maior. O cineasta Cary Fukunaga (que dirigiu a aclamada primeira temporada de True Detective) segue com sua câmera contemplativa e cheia de filtros, mas não nos poupa de cenas de horror. Há certa delicadeza, como a metáfora da televisão no início do longa, mas num geral, a imaginação e a reflexão são suplantadas por tiros e facões que atravessam carne humana.
Por apresentar um ponto de vista infantil, o filme acaba sendo ainda mais brutal, uma vez que mostra a pureza dando lugar a uma escuridão cada vez maior.
Fukunaga peca pela direção que cai um pouco no “piloto automático” ali pelo meio, fazendo com que em alguns momentos o Beasts of no Nation se torne meio genérico, pois certamente o espectador já viu histórias muito parecidas sendo contadas exatamente dessa maneira. Contudo, as atuações arrebatadoras, inclusive do elenco infantil, fazem com que o longa fique acima da média.
Num ano em que acompanhamos a maior crise imigratória depois da Segunda Guerra Mundial, Beasts of no Nation me parece ser uma obra importante para nos fazer pensar e quem sabe compreender o que leva uma pessoa a arriscar a sua vida e as dos seus familiares para fugir de um país em conflito. Ao olharem para trás e verem todo o tipo de barbárie acometendo seus semelhantes, uma balsa sem nenhuma segurança e um horizonte com uma mínima promessa de paz passa a fazer todo o sentido do mundo.
Violento e perturbador, Beasts of no Nation é um tipo de filme que incomoda e que te faz mal, pois você assiste e se sente envergonhado por fazer parte da humanidade.
E isso é muito bom, pois nem só de entretenimento é feito o cinema.
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