Desde sua estreia na direção, em 2017, com A Grande Jogada, Aaron Sorkin vem buscando provar ter tanto talento por trás das câmeras quanto como roteirista. Vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado, por A Rede Social (2010), e criador das premiadas séries The West Wing e The Newsroom, deu um importante passo nessa direção no ano passado, quando seu filme Os 7 de Chicago foi indicado ao prêmio da Academia em seis categorias, entre elas a de melhor filme, mas Sorkin ficou de fora da disputa de direção. Não é difícil adivinhar por quê.
O cinema de Sorkin ainda é muito falado e pouco visual, construído mais nas palavras contundentes de seus diálogos, por vezes flertando com a artificialidade, mas é inegável a relevância do que ele tem a dizer. Seu novo longa-metragem, Being the Ricardos (ou Apresentando os Ricardos), que acaba de estrear no Amazon Prime Video, tem essas mesmas grandes qualidades – e defeitos.
Na trama, Nicole Kidman (de As Horas) vive a atriz Lucille Ball (1911-1989), ícone da televisão dos Estados Unidos e uma das estrelas mais amadas pelo público norte-americano até os dias atuais. Ela fez história ao protagonizar a sitcom I Love Lucy (1951-1957), considerada uma das séries mais populares de todos os tempos, chegando a ter um público médio por episódio de 60 milhões de espectadores.
Mesmo tendo atuado no cinema e no rádio, e ter atingido alguma popularidade e reconhecimento, foi mesmo na tevê que Lucille alcançou o estrelado, estabelecendo um paradigma de interpretação para esse veículo: a comédia física, da qual era verdadeira mestre, levando o público às gargalhadas.
Being the Ricardos não é uma cinebiografia, e sim um recorte muito específico da trajetória profissional e da vida pessoal da atriz. Retrata uma semana na vida de Lucille enquanto ela se prepara para as gravações de um episódio da segunda temporada de I Love Lucy. A sitcom era produzida e coestrelada por seu marido na vida real: o ator e músico cubano Desi Arnaz (1917-1986), interpretado pelo espanhol Javier Berdem (de Onde os Fracos não Têm Vez).
Nicole Kidman, que enfrentou o ceticismo de muitos por não ser comediante e fisicamente muito diferente de sua personagem, tem um grande desempenho.
Ainda que a série já fosse um estrondoso sucesso de audiência, a vida do casal passava por um momento atribulado. A imprensa sensacionalista de celebridades, talvez movida por intenções racistas não confessas, parecia estar obcecada com as escapadas extraconjugais de Arnaz. E, para piorar, no auge da Guerra Fria, e em pleno período da chamada Caça às Bruxas, levantou-se a suspeita de que Lucille, que na juventude teve envolvimento familiar com movimentos trabalhistas, teria ligações diretas o Partido Comunista.
Being the Ricardos está indicado em três categorias ao Globo de Ouro, prêmio concedido pela Associação da Imprensa Estrangeira em Hollywood: melhor atriz (Nicole Kidman), ator (Javier Bardem) e roteiro, para Sorkin, que mais uma vez foi esnobado na categoria de direção. De novo, sua exclusão faz sentido.
Embora tenha uma narrativa bem alinhavada, que alterna as preparações para a gravação do episódio, flashbacks da vida do casal e a reconstituição de cenas do sitcom, segundo a perspectiva de Lucille, Being the Ricardos, em alguns momentos, é mais para ouvir do que para ver, o que pode ser um problema em se tratando de cinema, uma expressão artística audiovisual.
O filme é verborrágico demais em vários momentos, e a câmera parece estar ali por causa deles. A direção de Sorkin se esconde por trás do excesso de palavras, e falta o que os franceses chamam de mise-en-scène. É cinema falado, enfim.
A despeito disso, o filme é muito bem produzido, com excepcional reconstituição de época. E o elenco brilha. Nicole Kidman, que enfrentou o ceticismo de muitos por não ser comediante e fisicamente muito diferente de sua personagem, tem um grande desempenho. Deve receber sua quinta indicação ao Oscar por conseguir, com muita sutileza, trazer para o filme tanto a personalidade forte e determinada de Lucille quanto a sua persona cômica em I Love Lucy.
Javier Bardem também se sai bastante bem conseguindo encarnar todo o charme e a ambiguidade de Arnaz, que usava os clichês em torno de sua latinidade para manter seu lugar em uma Hollywood bem menos inclusiva do que dizia ser. Outro destaque no elenco é Nina Aranda, que rouba algumas cenas como Vivian Vance, amiga pessoal de Lucille, que vivia o papel de Ethel, a vizinha engraçada e menos bonita de Lucy na série, muitas vezes ofuscada intencionalmente por sua companheira de cena. É um papel coadjuvante, mas fundamental na desconstrução do mito Lucille Ball.
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