O fascinante contexto da política parece ser um tema bastante explorado pelo cinema. Contudo, são raros os filmes que abordam os meandros das ações individuais dos sujeitos que se dedicam diariamente a ela – em especial, os que não ocupam grandes cargos. Este é o contexto de Belas Promessas, drama francês dirigido por Thomas Kruithof e estrelado por Isabelle Huppert.
No filme, Huppert interpreta Clémence Collombet, uma médica que há 12 anos se tornou prefeita de uma pequena cidade nos arredores de Paris. Ela é claramente uma política honesta e dedicada à população pobre do município, e faz questão de manter contato direto com os cidadãos. Em seu segundo mandato, Clémence pretende se retirar da vida pública em seguida, voltando à sua rotina original.
Sua postura chama a atenção de grandes medalhões, e Clémence é sondada para se tornar uma ministra do governo nacional. De uma hora para a outra, ela passa a encarar uma faceta ambiciosa que nunca havia se manifestado antes, o que causa incômodo em seu chefe de gabinete, Yazid (papel de Reda Kateb, premiado ator francês com ascendência argelina).
Ao mesmo tempo, ela enfrenta problemas seríssimos na cidade que administra: o local sofre com a miséria e o abandono nas regiões periféricas. Um distrito, chamado Les Bernardins, está no pior estado, com conjuntos habitacionais à beira do colapso e uma exploração indevida de sublocadores dos apartamentos.
A situação promete explodir a qualquer momento quando um líder dos moradores de Les Bernardins organiza o grupo para que parem de pagar o imposto à prefeitura. Isso causa reviravoltas nos novos planos de Clémence, que é “desconvidada” ao alto posto do ministério e passa a repensar suas posições.
‘Belas Promessas’: os meandros da política
Pode-se dizer que Belas Promessas cumpre bem a sua proposta de explorar os conflitos entre os diversos setores que engendram a vida coletiva.
Em muitos lugares – e destacaria neste sentido o Brasil – há um discurso vigente que posiciona a classe política como essencialmente nociva à população (daí os movimentos de negação da política). O que a ideia esconde é que a política necessariamente envolve um modo de ser no mundo, uma série de habilidades de negociação e de um poder de antevisão de ações futuras que devem ser usados em prol da maioria.
Pode-se dizer que Belas Promessas cumpre bem a sua proposta de retratar estas habilidades por meio dos conflitos entre os diversos setores que engendram a vida coletiva. A partir da dinâmica central, entre os personagens de Isabelle Huppert e Reda Kateb, desenrola-se uma visão interessante sobre a dinâmica de forças que é inerente a este contexto.
A princípio, eles se situam como chefa/ subordinado, mas logo entendemos que a relação é mais complexa. Ao longo do filme, eles “lutam” entre si e com os demais “inimigos” que aparecem em sua jornada e evitam que as decisões que consideram mais corretas sejam tomadas. Entram aqui os burocratas, os lobistas, os políticos em cargos mais altos e os exploradores de modo geral.
Embora sejam os dois idealistas, eles encaram seu ofício de modos diferentes. Reda, por exemplo, é ele mesmo um sujeito oriundo da pobreza, e precisa achar maneiras de lidar com a proximidade com amigos do passado que tentam dar um jeitinho e conseguir tirar vantagens da prefeitura por conta disso. Quando isso se transforma em uma chantagem, a prefeita escolhe um caminho obscuro para lidar com a situação.
Dito de outro modo, Clémence e Yazid são personagens riquíssimos, pois conseguem simbolizar a complexidade dos indivíduos envoltos nas tramas (necessariamente sujas) da luta política. Clémence, por exemplo, está preparando a sua sucessora na prefeitura, mas resolve voltar atrás em certo momento, arquitetando um plano não muito claro para salvar a cidade. Seria ela uma traidora do seu partido? E o que significa lealdade para uma candidata política?
Outro aspecto subjacente ao filme envolve o fato de Clémence ser mulher. Quando ela anuncia ter desistido de sair da política, não faltam pessoas perguntando se ela está com dificuldades em ficar sozinha, já que seu filho saiu de casa. Em vários momentos, ela é chamada de louca por homens furiosos com suas ações. O jogo de cintura da personagem, aliás, é uma das riquezas do roteiro.
Ainda que o final seja um pouco previsível (e, convenhamos, piegas), Belas Promessas é uma obra inteligente e com um alto grau de novidade ao tratar de um tema relativamente batido, mas ainda assim com muito a explorar.
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