Trabalhar com o tema da maternidade sempre é um grande desafio, ora por tratar de um tema bastante delicado, ora pelo desafio de não se deixar levar ao caricato do papel de mãe protetora, como é comumente tratado. Gustavo Pizzi, diretor de Benzinho (2017), abraça e se debruça sobre a adversidade de Irene (Karine Teles) tomada pelos sentimentos da ida de seu filho, Fernando (Konstantinos Sarris) em sua ida para a Alemanha ao ganhar uma bolsa profissional para jogar handebol. Embora a roupagem de família brasileira de classe média baixa, sustentada basicamente pelo pai (Otávio Müller), dê o tempero ao longa, o filme — que é muito bem produzido e tem uma estética bastante instigante — deixa a desejar no desenvolvimento da temática materna, sua questão principal.
Aclamado no Festival de Sundance (aliás, a proposta tem muito em paralelo com o próprio festival), Benzinho tenta encaixar estereótipos muito bem formatados na cultura brasileira a um próximo nível, de empatia do espectador. Talvez o faça muito bem, visto que muitas situações ali presentes são do cotidiano de uma relevante parcela de famílias brasileiras. As dificuldades financeiras, os contratempos de sonhos não realizados, e até mesmo a violência doméstica são artifícios que o diretor se utiliza para caracterizar o cotidiano de uma família comum, que sofre pela futura ausência do filho mais do que necessariamente do que pelas intempéries da rotina atribulada.
‘Benzinho’ trabalha com uma estética apurada em torno de temas complexos, como maternidade, dificuldades financeiras e abuso doméstico.
Há uma escolha muito bem formatada de trabalhar com leveza e tom de conciliação temas que, de certo modo, deveriam ser muito melhor aprofundados. Por exemplo, há na relação de Irene e do marido uma cumplicidade que chega a beirar o banal, mesmo com o drama em relação à ida do filho para a Alemanha. Na própria tentativa de Irene em deixar seus sentimentos de lado para deixar o filho alavancar voo em uma nova jornada existe uma espécie de má alquimia, como se, no fundo, tudo aquilo não passasse de apenas mais uma fase da vida, tanto do garoto quanto da mãe.
Talvez o melhor trunfo do filme de Pizzi seja a relação da personagem de Karine Teles com a irmã, Sônia, interpretada por Adriana Esteves, que agarram-se uma a outra: uma tomada pela saudade premeditada do filho, e a outra pela questão do abuso doméstico que sofria do marido. Porém, mesmo assim, a sororidade — uma palavra muito em voga, é verdade — deixa apenas um desejo de aprofundamento em torno do tema que não se concretiza e dá lugar às demais problemáticas do filme.
Ora, Benzinho se encaixa muito bem como um longa-metragem pronto e feito para Sundance: seja pela escolha de um drama comovente, seja pela estética mais alternativa. Ainda assim, peca pela falta de realismo e por querer envolver um universo de tramas que poderia ser muito mais complexo. O papel da maternidade, no fundo, seja por escolha ou não, é apenas um complemento de um ensaio que divaga esteticamente dentro do lugar comum da maternidade na classe média brasileira, mas não chega necessariamente a um ponto em específico.
Embora positivo, o final do longa-metragem deixa arestas e interpretações abertas que cabem ao próprio espectador decidir, compreender ou simplesmente jogar fora. Benzinho funciona sim como ensaio estético que toca em um tema universal, mas de maneira muito aliviada em termos de realidade.
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