Em uma noite do emblemático ano de 1968, na cidade de Nova York, um grupo de amigos, todos homens gays, se reúne em um charmoso apartamento em Manhattan para comemorar o aniversário de um deles. O que era para ser uma festa sem maiores pretensões acaba trazendo à tona fantasmas do presente e do passado, quase todos relacionados à condição de ser homossexual em um momento de profundas transformações sociais nos Estados Unidos e no mundo. A Rebelião de Stonewall, marco da luta pelos direitos LGBTQI+, ocorreria apenas um ano mais tarde, não tão distante do prédio onde mora o anfitrião Michael, um dos protagonistas, vivido por Jim Parsons, o Sheldon de The Big Bang Theory.
Essa reunião que se transforma em uma espécie de intensa terapia de grupo é o ponto de partida do filme The Boys in the Band, segunda adaptação da peça teatral homônima de Mart Crowley, levada pelo cineasta William Friedkin (de O Exorcista) ao cinema em 1970, ano em que também foi montada no Brasil. É importante assinalar aqui que Crowley assina os roteiros dos dois filmes baseados em seu texto original, o que explica por que a integridade da obra foi tão preservada, a despeito de 50 anos terem se passado entre um longa-metragem e o outro. A potência da discussões propostas pelo dramaturgo também segue lá, se não intacta, muito relevante.
Produzida para a Netflix por Ryan Murphy, das minisséries Hollywood e Ratched, recém-lançada pelo mesmo canal de streaming, e com direção de Joe Mantello (de Entre Amigos), essa nova versão de The Boys in the Band é, em sua gênese, e continua sendo, uma obra engajada e de confronto. Em 1968, quando foi montada pela primeira vez, foi considerada muito audaciosa ao levar ao grande público as vicissitudes de um microcosmo ao qual grande parte dos norte-americanos era absolutamente alheia. Passado mais de meio século, no entanto, alguns dos temas que discute ainda seguem altamente provocativos, à despeito de todas as conquistas da comunidade gay nestes anos todos.
Michael é católico, bem sucedido, e neurótico, como quase todos os personagens vividos por Parsons. Beirando os 40 anos, já perdendo cabelos, ele continua no armário, embora tenha uma vida sexualmente ativa e um grupo de amigos gays com quem convive, em uma espécie de dimensão paralela. Não se assumiu em seu trabalho, tampouco para sua família e amigos de juventude.
Produzida para a Netflix por Ryan Murphy, das minisséries Hollywood e Ratched, recem-lançada pelo mesmo canal de streaming, e com direção de Joe Mantello (de Entre Amigos), essa nova versão de The Boys in the Band é, em sua gênese, e continua sendo, uma obra engajada e de confronto.
Com a ajuda de um ex-namorado, Donald (Matt Bomer, do seriado Suits), ele prepara a festa de aniversário de Harold (Zachary Quinto, de Star Trek), com quem mantém uma relação de amor e ódio: o aniversariante é assumido, sarcástico e, o tempo todo, parece confrontar Michael, e vice-versa. Entre os outros convidados, estão Hank (Tuc Watkins, da série Desperate Housewives), que deixou mulher e filhos para ficar com Larry, (Andrew Rannells, de Girls), para quem a fidelidade é uma utopia. Emory (Robin de Jésus, de Camp), é hispânico e performático, enquanto Bernard (Michael Benjamin Washington, de Ratched), o mais tímido da “banda”, é um estudante negro.
Essa fragilidade é precipitada quando entra em cena Alan (Brian Hutchinson, de Um Conto do Destino), um antigo amigo de faculdade de Michael. Em crise, ele primeiro telefona e depois aparece na festa sem ser convidado. Casado, visivelmente conservador, e sem saber da homossexualidade do antigo colega, ele se choca com o “tom” da festa.
Essa longa jornada noite adentro chegará ao ápice quando Michael, bêbado e desestabilizado pela homofobia latente de Alan, desafia os amigos a participar de um jogo inquietante. Os convidados devem telefonar para a pessoa do passado por quem se apaixonaram pela primeira vez, para confessar o seu amor. Esse dispositivo narrativo, graças ao ótimo texto de Crowley, alavanca o teor dramático do filme e faz com que o espectador se sinta parte da brincadeira.
São discutidos nesse jogo temas como solidão, racismo, preconceito de classe e, é claro, homofobia no sem que o filme adote um tom panfletário, ou politicamente correto. Isso se dá porque o olhar de Crowley é interno, com conhecimento de causa, e não exótico. Ele conhece, na própria pele, a realidade sobre a qual escreve, em uma época na qual corações e mentes estavam em ebulição.
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