Engana-se quem vai assistir a Casa Gucci, filme do diretor britânico Ridley Scott (de Gladiador) em cartaz nos cinemas, acreditando se tratar de um retrato íntimo do mundo da moda. Tampouco é uma saga familiar italiana, à la Poderoso Chefão, como seu título pode sugerir. O longa-metragem, que já arrecadou perto de US$ 70 milhões ao redor do mundo, revela-se, para surpresa de muitos, uma especie de ópera bufa, excessiva e irregular, mas em muitos momentos inspirada, sobre a ganância.
Mais do que propriamente a respeito da família Gucci, fundadora de uma das marcas mais sofisticadas e bem-sucedidas da moda mundial, o filme conta como o clã perdeu total controle sobre a grife por conta da própria incompetência na condução dos negócios e da entrada em cena de um elemento desagregador, cuja ambição excessiva termina por fazer desmoronar o que já era muito frágil. Essa intrusa é Patrizia Reggiani, uma jovem de classe média que vê a oportunidade de ascender socialmente quando se casa com Maurizio Gucci.
Maior do que a vida, Patrizia é uma personagem imensa, que toma conta do filme.
Vivida com fogo e paixão por Lady Gaga, que reafirma seu talento dramático revelado em Nasce uma Estrela, Patrizia é uma personagem complexa. Ainda que dê evidentes sinais de ser ambiciosa, e de ter, desde o início de sua relação com Maurizio (Adam Driver), ficado inebriada com a ideia se se tornar uma Gucci, ela, sim, cai de amores pelo jovem herdeiro, estudante de Direito, pouco à vontade com o peso do sobrenome.
Rejeitada pelo pai do marido, Rodolfo (Jeremy Irons), que a vê apenas como uma alpinista social, Patrizia é paciente. O jogo muda quando ela conhece o tio de Maurizio, Aldo (Al Pacino), que se deixa encantar pela beleza e pelo charme algo vulgar de Patrizia e quer trazê-la para seu lado. Como seu filho, Paolo (Jared Leto), é, em suas palavras, “um idiota” sem qualquer talento para a moda ou os negócios, o empresário aposta no sobrinho.
É interessante a opção de Scott de, ao apresentar os integrantes do clã Gucci, evitar um tom mais realista. Rodolfo e, sobretudo, Aldo e Paolo são caricatos, ridículos até, dos sotaques italianos exagerados (os personagens falam inglês) à linguagem corporal, passando por seus figurinos e suas posturas. Há algo canastrão em todas as atuações, e nos próprios personagens, que parecem ser escolhas do roteiro e do diretor, que os coloca sob uma lente de aumento, os distorcendo.
Essa opção pelo caricato, que beira o bufo, tem causado incômodo em muitos, inclusive na própria família Gucci, muito ofendida com a forma como foi retratada. Parte da crítica e do público também não engoliu a abordagem novelesca, quase histriônica do filme, construído em torno da ascensão e queda de Patrizia, que, em 1995, encomendou a morte de Maurizio, em um ato extremo de vingança contra o marido, que a abandonou para unir-se a outra mulher, justamente quando ascende a uma posição de liderança dentro da marca da família.
Maior do que a vida, Patrizia é uma personagem espaçosa, que toma conta do filme. Passional, expressiva, exagerada nos gestos, roupas e atitudes, ela proporciona a Lady Gaga a possibilidade de mostrar o que é capaz de fazer como atriz. Embora tudo que faz, diz e sente pareça sempre exagerado, nunca soa falsa, porque Gaga a coloca na tela por inteiro. É um baita desempenho, que encontra sutilezas no excesso, no patético.
Excessivamente longo, e com um roteiro um pouco frouxo, que faz com que o a narrativa perca o ritmo, Casa Gucci é, sim, problemático. No entanto, também é forte candidato a se tornar cult justamente graças à ousadia de fugir do formato mais documental, “inspirado em fatos reais”, para apostar em um tom e uma forma que nos tira da zona de conforto como espectador.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.