O diretor Neil Bloomkamp tem a conveniência de ser sul africano. Seus filmes de ação futuristas-distópicos não inspirariam maiores reflexões além das epifanias morais de qualquer distopia caso não fossem rodados em Johanesburgo, a capital do apartheid. Diante desse cenário multiétnico e problemático, um filme como Distrito 9, em que alienígenas moram nas favelas da cidade, ganha dimensões sociopolíticas sobre pertencimento, empatia e discriminação como nenhum outro longa com mais de cinco cenas de tiroteio (caso contrário o resultado mais provável é uma porcaria do naipe de Elysium).
Talvez por isso, Chappie, sua nova produção, possa passar como uma discussão bioética sobre a relação entre homem e máquina, a marginalização do novo e do diferente (presente na obra de seu conterrâneo, o escritor e prêmio Nobel J.M. Coetzee) e os limites da afeição, ainda que seja, superficialmente, mais um filme de ação.
Na história, que segue os moldes de Distrito 9 numa falta de imaginação comovente por parte do diretor, uma indústria bélica consegue implementar uma polícia robótica em Johanesburgo, reduzindo a criminalidade e os muitos homicídios na capital. A coisa complica quando alguns bandidos endividados (interpretados pelo bizarro duo de música eletrônica adolescente Die Antwoord) resolvem sequestrar o projetista dos robôs, para forçá-lo a fornecer um “botão de desligar” da polícia, para que possam realizar assaltos sem maiores problemas.
Na história, que segue os moldes de Distrito 9 numa falta de imaginação comovente por parte do diretor, uma indústria bélica consegue implementar uma polícia robótica em Johanesburgo, reduzindo a criminalidade e os muitos homicídios na capital.
O timing não poderia ser melhor: Deon (Dev Pathel) acabara de descobrir a chave para a verdadeira inteligência artificial e pretende criar um robô humano com peças rejeitadas. Dos escombros de Soweto nasce então Chappie, um robô que vive a dualidade de ter um criador que deseja lhe ensinar traços de sensibilidade, e uma família de bandidos que pretende fazê-lo um gangster de lata. O filme apresenta ainda Hugh Jackman em um de seus únicos papéis de vilão – um ex-militar que trabalha de bermudas em um escritório e deseja implementar sua versão melhorada do ED-209 de Robocop mediante a destruição de toda a polícia robótica.
Com uma estética suja e doentia, o filme lembra as ações grotescas do holandês Paul Verhoeven (de O Vingador do Futuro, Robocop e Tropas Estelares), o que há de ser um ponto positivo em meio as produções assépticas e politicamente corretas da Hollywood americana.
E ainda que o roteiro siga a previsibilidade previsível – dada sua filmografia –, os personagens são extremamente cativantes, a começar pelo robô Chappie, ingênuo e afobado. A trilha sonora fica por conta do próprio Die Antwoord que, acredite, não está ruim no filme, pelo contrário: caem como uma luva no universo distorcido dos filmes de Bloomkamp.
Ainda assim, tudo se resume a isso: Chappie é um filme de ação. Divertido sim, autêntico em certa medida e com os incontáveis furos no roteiro que um enredo futurista implica. Pode-se extrair uma tonelada de comentário social de suas metáforas e de seu contexto sul-africano, mas ainda assim dá assistir acompanhado do seu amigo que gosta de filme “pra não pensar”.
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