Depois de trabalhar sobre o tema da mulher no roteiro de Chega de Saudade (2007) e no documentário Mulheres Olímpicas (2013), Laís Bodanzky, diretora dos filmes Bicho de Sete Cabeças (2000) e As Melhores Coisas do Mundo (2010), agora trata sobre o tema do drama familiar sob perspectiva de uma personagem ainda mais profunda e complexa em Como Nossos Pais.
No novo longa da diretora, Rosa (Maria Ribeiro), aos 38 anos, é uma redatora de materiais domésticos frustrada com a sua profissão e com o desejo interno de ser dramaturga. Mãe de duas filhas, acaba se encontrando presa em conflitos dentro da sua estrutura familiar depois de uma descoberta repentina. Além disso, a relação conturbada com a sua mãe, Clarice (interpretada por Clarisse Abujamra), a faz refletir ainda mais sobre como as mulheres da sua família sempre tiveram um papel bastante limitado dentro dos círculos familiares, mesmo sendo de gerações diferentes.
Um ponto muito importante do longa é que ele trata de uma opressão bastante específica. Embora a personagem Rosa tenha vivido a sua vida inteira numa família de intelectuais – sua mãe era envolvida academicamente no meio de ciências sociais, enquanto que seu pai era um eterno boêmio das artes plásticas -, a dor que ela sentia enquanto mulher dentro do relacionamento com seu parceiro ainda era a mesma que a sua mãe havia vivido décadas atrás.
“Os homens têm dezenas de amantes ao longo da vida, eu tive um só”, revela a mãe de Rosa bastante resoluta. Já o pai, em outra situação, declara bastante acertadamente sobre ter vários casamentos com mulheres que o sustentavam financeiramente: “Meu pai era assim, meu avô era assim, e vai continuar assim. Isso é hereditário, é DNA, é herança!”.
Como Nossos Pais refuta o velho conceito de que a mulher deve ser excepcional em todos os campos.
É neste ínterim que a personagem Rosa se encontra desnorteada com relação à sua própria vida e o conflito geracional que vivia com as opiniões de seus pais. Enquanto filha, Rosa poderia ter sido bastante assertiva durante toda a sua vida na relação com a mãe. Enquanto mãe, sempre tentava fazer o melhor para as suas filhas no cotidiano. Enquanto esposa, abdicava do seu tempo e de suas paixões para manter a estabilidade da família. Mas em nenhum desses campos de sua vida a protagonista se sentia realmente realizada. Havia sempre aquela ponta de vontade de fugir e se tornar verdadeiramente a mulher que sempre desejou ser: livre em suas convicções e protagonista da sua própria história enquanto dramaturga. O velho conceito de que toda a mulher deveria ser excepcional em todos os aspectos de sua vida, seja profissionalmente ou dentro de casa, se torna tão falho quanto a ideia de sua mãe, Clarice, de que mulheres deveriam ter apenas um amante ao longo da vida.
Em um determinado momento do filme, uma das filhas do pai de Rosa, Karu, passa um tempo na sua casa. Jovem e com uma mentalidade mais contemporânea, a adolescente reconhece os conflitos familiares de sua meia-irmã e recomenda que ela leia sobre relacionamentos livres. É neste instante da narrativa que existe um outro conflito de gerações: a de Rosa, filha do final dos anos 70, e de Karu, provavelmente nascida nas últimas décadas, com uma ideologia sobre relacionamentos mais crítica e problematizadora. Nesta característica, a protagonista tem bastante em comum com a sua mãe, que dizia que a transgressão, quando assumida, faz a pessoa muito melhor. No caminho de dúvidas e inseguranças sobre o que é ser mulher em sua época, Rosa acaba descobrindo novos rumos em meio a tantas incertezas.
Como Nossos Pais foi exibido na 67ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim e no 45º Festival de Cinema de Gramado. Com uma potência poderosa para conquistar o público, especialmente pelo reconhecimento das situações que, de tão contemporâneas, podem parecer banais, os papéis femininos na narrativa são essenciais, tanto por Maria Ribeiro como Rosa, como pela mãe interpretada Clarisse Abujamra. A tônica do filme sobre conflitos geracionais lembra bastante o Bem Amadas (2011), do francês Christophe Honoré, outro clássico contemporâneo sobre o tema.
É bastante positivo que o cinema brasileiro, principalmente de circuito mais comercial, trate sobre tópicos tão essenciais na sociedade com tanta propriedade como fez a diretora, de maneira sutil e bastante compreensível – ainda que em tempos em que, por vezes, a luta pela igualdade de gênero é tratada como um extremismo desnecessário. A música que deu nome ao filme, eternizada pela voz de Elis Regina, talvez diga muito sobre quem questiona esse tópico: “É você que ama o passado e não vê/ Que o novo sempre vem”. Sem dúvidas, Como Nossos Pais traz à tona com uma força esplendorosa o debate do papel da mulher nas estruturas familiares contemporâneas.
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