A disputa pelo Oscar de melhor filme estrangeiro neste ano, vencida pelo mexicano Roma, tinha filmes muito bons no páreo, como o polonês Guerra Fria e o japonês Assunto de Família. Entre os longas-metragens que brigavam por uma vaga entre os indicados, mas não chegaram até lá, estava o ótimo drama israelense O Confeiteiro, de Ofir Raul Graizer.
O diretor, de 38 anos, revisitou sua experiência no passado com o mundo da com gastronomia para escrever um belo roteiro, que tem com personagem-título Thomas (Tim Kalkhof), um jovem chef alemão, especializado em bolos, tortas e doces, que expressa seu afeto melhor por meio das delícias que prepara do que por palavras, ou mesmo gestos.
Dono de uma confetaria em Munique, na Bavária, sul da Alemanha, Thomas coloca em prática ensinamentos recebidos da avó, que o criou sozinha. Cozinhar é o centro de sua vida, regrada e solitária, que um dia se transforma quando atende Oren (Roy Miller), homem de negócios natural de Jerusalém, que se encanta por seus quitutes. Os dois se apaixonam.
Desde o início do relacionamento, Thomas sabe que Oren é um judeu religioso, tem esposa e filho em Israel, e não pretende mudar sua vida. Mas, como suas viagens à Alemanha são constantes, os dois acabam se envolvendo cada vez mais. Detalhe: sempre quando volta para casa, o israelense faz questão de levar na bagagem uma caixa com biscoitos feitos à mão pelo confeiteiro, pedaços de seu afeto, compartilhados com sua família.
Após um desses retornos à terra natal, contudo, Oren desaparece. Deixa de telefonar, mandar mensagens e não responde os muitos e muitos recados deixados por Thomas, que entra em desespero à medida em que o tempo passa e ele não tem qualquer notícia do amante. Meses se passam até que tome coragem e resolva ir à sede empresa de Oren em Munique e descubra que ele morreu. Corte.
Bem amarrado, o roteiro de Grazier nos faz cúmplice de Thomas em uma missão eticamente duvidosa.
Tomado pela dor, e pelo inconformismo, Thomas toma uma decisão radical: viajar a Jerusalém para talvez compreender melhor o que aconteceu e talvez aceitar sua imensa perda. Lá, o inesperado acontece: descobre que a mulher de Oren, Anat (Sarah Adler, excelente), tem um café e, por um impulso, se oferece para trabalhar com ela, primeiro como lavador de pratos. Não demora até que os doces de Thomas conquistem a clientela e a família de Oren.
Bem amarrado, o roteiro de Grazier nos faz cúmplice de Thomas em uma missão eticamente duvidosa. Ao mesmo tempo, seu luto, o vazio deixado por Oren em sua vida, é retratado com muito cuidado, delicadeza. Estar próximo da família do homem que amou talvez seja única forma que ele encontra para lidar com a dor e a solidão que sente, porque eles também sofrem a falta de Oren. Fazer doces, para Thomas, é uma forma de expressão, de criar vínculos.
Tenso e contido, como Thomas, O Confeiteiro é uma receita bem sucedida, na qual misturam-se elementos de drama, suspense, erotismo e discussão de gênero. É fascinante acompanhar, em cenas muito bem construídas, intimistas, o protagonista em sua jornada de autodescoberta e investigação da cultura e do passado de Oren, assim como o drama de Anat. É um pequeno grande filme.
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