Parece haver algo muito errado no mundo quando falamos sobre comida: ao mesmo tempo em que existe um terrorismo nutricional em torno de glúten e afins, com preocupação única com calorias e nutrientes, também predomina uma cegueira em relação aos animais criados para consumo humano. A carne chega embalada no supermercado: não se faz uma reflexão de que aquele pedaço já foi um animal vivo. E muito menos do quanto de recursos naturais que essa criação em massa demanda.
Toda essa dinâmica é tratada com detalhes no documentário Cowspiracy: O Segredo da Sustentabilidade. O filme tem como produtor-executivo o ator Leonardo Di Caprio, e está disponível na Netflix.
Ambientalista “obsessivo compulsivo”, o diretor Kip Andersen é daquele tipo de pessoa que segue à risca a cartilha de boas maneiras para ajudar o meio ambiente: recicla e separa o lixo, toma banhos rápidos, trocou o carro pela bicicleta. Até se deparar com estudos e dossiês que comprovam, por A +B, que a criação de animais para consumo (ou seja, o agronegócio), é a principal responsável pela degradação do planeta.
Ambientalista ‘obsessivo compulsivo’, o diretor Kip Andersen é daquele tipo de pessoa que segue à risca a cartilha de boas maneiras para ajudar o meio ambiente.
A emissão e gases tóxicos produzidos pelo gado é maior e mais nociva do que de todos os transportes juntos. Iremos ultrapassar, facilmente, o máximo possível do aumento da temperatura no globo, que não deveria ser maior do que 2 graus celsius. 30% da água do mundo e 45% das terras do planeta são ocupadas pelo gado. E quem diz isso não sou eu, nem o diretor. É a Organização das Nações Unidas (ONU), em diversos relatórios que, curiosamente, não ganham a imprensa e o público de forma tão massiva quanto outras informações sobre o meio ambiente.
O diretor, como muitos de nós, se sentiu um idiota ao saber que seus banhos rápidos não fazem nem cócegas na economia de água que acontece quando não comemos carne: um único hambúrguer gasta 2,5 mil litros de água em sua produção.
Pois bem, se perguntou Andersen, o ambientalista de carteirinha: por que raios as Organizações Não Governamentais (ONG’s) que ele mais admira, como o Greenpeace, não trazem nenhuma linha sobre o assunto em seus sites, mesmo com os estudos da ONU? Ele foi atrás dos porta-vozes e o que se sucede nessas entrevistas é um misto de vergonha alheia com defesa dos interesses: somente uma entrevistada dessas organizações assume que o agronegócio é o principal vilão. Mas que cutucar esses interesses sai caro. Muitos ativistas que ousaram peitar este mercado, como a freira Doroty Stang, que morou por anos no Brasil, foram mortos por falar demais (ela foi assassinada no Pará, em 2005).
O documentário incomoda pelo simples fato de mostrar que o agronegócio, de tão poderoso, conseguiu ditar políticas públicas alimentares e nos fez crer que carne e outros derivados são essenciais. E que podemos, e devemos, ter essa comida disponível em quantidades absurdas, sem pensar nas consequências. É um filme que cutuca nossos hábitos e convicções, e nos faz parar para pensar que existe uma outra maneira possível de se alimentar.
Cowspiracy é um alerta: se não mudarmos o modo como comemos, o mundo entrará em colapso. E não demorará muito. Hoje, o lobby da criação de animais (e aqui se inclui todos os mortos para consumo, como gado, porcos, frango e peixe, além da indústria leiteira que, aliás, tem um dos modus operandi mais chocantes de todos) é responsável também pela morte de animais silvestres, e pela ameaça de extinção de várias espécies.
O filme também vai além da questão ambiental e coloca a percepção e a mudança por qual o próprio documentarista passou no processo: até ele ver um abate, não tinha se dado conta de que cada um desses animais é morto. E que mudar seus hábitos alimentares não ajudará apenas o planeta, mas salvará uma vida, todos os dias.
No site do documentário, é possível aderir ao programa “30-Day Vegan Challenge”, que desafia os participantes a ficar um mês sem consumir nenhum produto de origem animal.
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