Dirigido pela franco-argelina Mounia Meddour, Dançando no Silêncio é um daqueles raros casos em que o título adaptado ao português faz jus total ao filme (que, no original, se chama Houria, nome de sua protagonista). Isto porque o centro desta bela obra é, sem dúvida, a linguagem do corpo – que, em situações extremas, pode encontrar uma forma de expressão através da dança.
A história contada aqui é a de uma jovem chamada Houria (papel de Lyna Khoudri, de A Crônica Francesa). Ela vive na Argélia, onde trabalha como camareira de um hotel, enquanto nutre o sonho de se tornar uma bailarina profissional. O objetivo é compartilhado com sua amiga Sonia (Amira Hilda Douaouda), e juntas elas participam de uma escola de dança onde se preparam para uma prova no intuito de ingressar no balé nacional.
Contudo, o contexto da Argélia é de crise, e o país ainda vive sobre os escombros de 11 anos de guerra civil. Sem o pai, que foi assassinado, Houria se envolve com apostas ilegais à noite, com o objetivo de juntar dinheiro para comprar um carro para a mãe, Sabrina (Rachida Brakni), que trabalha como dançarina do ventre em casamentos.
Ao vencer uma aposta, ela acaba espancada por um homem, um terrorista anistiado, que a acusa de ter roubado. O espancamento causa um trauma terrível: ela quebra o tornozelo em vários lugares, o que a obriga a desistir do sonho no balé. Além disso, Houria fica muda, tamanho é o impacto emocional que sofre.
No hospital em que permanece internada, ela precisa realizar fisioterapia. Na clínica, a jovem começa a ter contato com outras mulheres traumatizadas que trarão pistas de como seguir adiante depois de ter perdido tudo o que tinha.
Um filme sobre mulheres
Não há dúvidas que estamos aqui diante de um filme sobre mulheres e sobre a sororidade que costuma se formar quando elas precisam umas das outras. Os homens presentes na obra ou são perigosos (caso do agressor de Houria), ou são ausências idealizadas (caso do seu pai assassinado, constantemente mencionado pela mãe).
A dança, como esclarece o filme já pelo título, opera como elemento crucial para “colar” este grupo.
Ao passar pela agressão, Houria perde a única coisa que tinha: a esperança de um futuro melhor, que, na sua concepção, envolvia uma carreira na dança. Houria e sua amiga Sonia são ambas formadas em educação física, mas não veem possibilidades de seguir sua profissão em uma Argélia arrasada. Enquanto a primeira sonha com a dança, a última só enxerga um único caminho: o de tentar imigrar ilegalmente para a Espanha.
A perda de seu sonho faz com que Houria precise se confrontar sobre o que fazer de si mesma. Ela é tomada por uma tristeza infinita (em certo momento, ela escreve sobre seus sentimentos: “estou morta por dentro”). Um único caminho possível começar a se sinalizar quando ela encontra outras mulheres em situação igual ou pior que a dela: que perderam tragicamente os filhos, que cresceram em orfanatos, que são mudas de nascença.

Ao lado de sua nova “trupe”- bastante diferente da cobrança dura e opressiva dos ensaios de balé – ela se envolve em suas histórias, e todas começam a se apoiar dentro do que é possível fazer.
A dança, como esclarece o filme já pelo título, opera como elemento crucial para “colar” este grupo. O corpo, portanto, é escolhido como linguagem pela diretora Mounia Meddour não por acaso. Em entrevista à Variety, ela argumentou: “na Argélia, as pessoas falam muito. Elas querem explicar tudo. No filme, tentamos expressar as coisas sem palavras. Ao invés disso, usamos os corpos. É uma linguagem clandestina. Só as mulheres conseguem entendê-la e a usam para se comunicar umas com as outras”.
A beleza de Dançando no Silêncio está na forma extremamente lírica e delicada com que isso é mostrado. A dança enquanto cura, enquanto forma de entrar em contato consigo mesma – tudo isso é explorado pela direção de Meddour, que explora a fotografia em cenas magníficas no terraço de Houria (espaço que tem uma forte importância na trama) filmadas ao por do sol.
É interessante também notar que, ao início do filme, Houria dança sozinha (mesmo quando está inserida no corpo de balé). Mas, ao avançar da história, a dança se torna cada vez mais coletiva. Uma linda metáfora sobre de onde emerge a força das mulheres.
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