Premiado com o Urso de Prata de Melhor Contribuição Artística no Festival de Berlim, Disco Boy: Choque entre mundos é daqueles filmes cujo título induz ao engano. A obra do italiano Giacomo Abbruzzese, na verdade, é um filme de guerra que propõe uma certa reinvenção deste que é um dos gêneros mais explorados no cinema.
A trama acompanha Aleksei (papel do ator alemão Franz Rogowski), um imigrante que foge da Bielorrússia e busca um refúgio na França. Depois de um turbulento processo para chegar até o país europeu, ele consegue uma chance de ingressar na Legião Estrangeira – um ramo do serviço militar francês que recruta estrangeiros.
Ao aceitar defender o país, é prometido a Aleksei um sonho: o de, depois de cinco anos, naturalizar-se francês e poder ter uma vida tranquila, com esposa, filhos e todos os privilégios da classe média.
Paralelamente, outra história se desenrola: no Delta do Níger, há Jomo (Morr Ndiaye), um guerrilheiro que está envolvido na luta armada da Frente de Libertação da Nigéria para defender seu grupo contra a exploração das empresas petrolíferas. Quando não está guerreando, Jomo é mostrado em rituais de sua comunidade no qual ele e sua irmã, Udoka (Laëtitia Ky), entram em um transe e dançam (daí se explica o título “disco boy”, que é a profissão sonhada por Jomo caso ele fosse branco).
Quando o grupo nigeriano captura franceses, a Legião Estrangeira é enviada para resgatar os reféns. Aleksei (que ganhou um nome francês, Alex), agora entrará em confronto com o soldado nigeriano, dando margem a consequências imprevisíveis.
A guerra contada por refugiados
Disco Boy fez sua estreia no Brasil na 12ª edição do Olhar de Cinema, participando da Mostra Competitiva Internacional. O filme é o primeiro longa-metragem de Giacomo Abbruzzese e levantou discussões, sobretudo pela acusação de um olhar algo colonialista sobre a representação da Nigéria a partir do grupo de guerrilheiros.
Há um tema mais pungente que torna esta uma obra forte e necessária nos dias de hoje: a abordagem da Europa (e, por consequência, talvez, o mundo todo) como uma terra de refugiados.
Ainda que essa seja uma conversa plausível sobre Disco Boy, há um tema mais pungente que torna esta uma obra forte e necessária nos dias de hoje: a abordagem da Europa (e, por consequência, talvez, o mundo todo) como uma terra de refugiados que circulam de um lado para o outro, procurando oportunidades cada vez mais mínguas.
A quem, de fato, pertence um país? Aleksei recebe a promessa que, teoricamente, seria o desejo de qualquer imigrante: o de se “normalizar” em um país como a França. O chefe do pelotão da Legião Estrangeira, de forma até doce, explica isso a todos os seus comandados.
A ideia de uma certa “lavagem cerebral” associada ao sonho da naturalização vai aparecendo em momentos do longa-metragem, como na cena em que soldados marcham cantando Non, je ne regrette rien (praticamente um hino francês) ou no gosto de Aleksei pelo vinho bordeaux (que “ninguém mais bebe”, diz um personagem – apenas os refugiados). Da mesma forma, outros símbolos circulam, como a tatuagem do soldado que revela que ele é um órfão – e, talvez por isso mesmo, alguém sem pátria.
Mas Aleksei aparece nesta história para esclarecer ao público que esta não é uma guerra com dois lados. Tanto ele quanto Jomo, embora pareçam opostos, são a mesma coisa – com a diferença que o bielorrusso luta por algo que não é seu. E, após o desdobramento desse confronto, isso vai se sinalizando a partir de um contato cada vez maior com a loucura e com a dança, que servem para que a realidade se desnude aos poucos para Aleksei.
Com a bela direção de fotografia de Hélène Louvart (que também desempenhou essa função no brasileiro A Vida Invisível, de Karim Aïnouz), Disco Boy: Choque entre Mundos é um filme provocativo, tanto pelo tema que aborda quanto pela forma que apela aos nossos sentidos.
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