Representatividade é um conceito que, nos últimos tempos, vem sendo demonizado pelas direitas ao redor do mundo. Afinal, à medida em que grupos identitários reclamam para si o direito de ter suas próprias narrativas, em vez de engolir goela abaixo tudo o que a indústria cultural mais hegemônica lhes impõe, o mundo, que é diverso e deveria ser mais polifônico, tem a oportunidade de ouvir e ver outras vozes, cores e nomes. Por isso, Encanto, filme vencedor do Oscar de melhor animação em longa-metragem, merece ser festejado, ainda que seja produzido pela toda poderosa Disney.
Ambientado na Colômbia mais profunda, Encanto, em cartaz no canal Disney+, vai beber do realismo fantástico latino-americano para contar a história da família Madrigal, que tem como marca, ou estigma, o fato de todos os seus integrantes terem talentos especiais, à exceção de Maribel (dublada pela atriz Stephanie Beatriz, na versão original).
A menina é a única da família que não recebeu, ou não descobriu, um talento, o que faz dela uma exceção, e alvo de discriminação, ainda que velada, como se tivesse uma deficiência. Na trama, Maribel tem a missão de salvar a magia da família, ao mesmo tempo em que tenta provar a Abuela (María Cecilia Botero), sua avó, mulher bastante rígida, que é merecedora de amor, a despeito de não ser “especial” como o resto do clã parece ser. A casa encantada da família, que começa a ruir, é uma metáfora dessa falsa realidade.
Dirigido por Byron Howe (de Zootopia) e Jared Bush (Moana), Encanto foi impulsionado pelo estrondoso sucesso de sua deliciosa trilha sonora, criada pelo multi talentoso Lin Manuel Miranda.
Em um mundo cada vez mais implacável com quem é “defeituoso” e não corresponde às expectativas do meio social em que está inserido, Encanto tem a ousadia de trazer como protagonista uma garota ordinária, sem dons evidentes, que prova ser extraordinária por conta de seu caráter e determinação.
Mirabel tem uma relação com as duas irmãs, Luísa (Jessica Darrow), garota fortona apresentada subliminarmente pela trama como lésbica, e a bonita, porém excessivamente vaidosa Isabela (Diane Guerrero), vista por todos como “perfeita”.
É interessante como a aparente perfeição de Isabela é problematizada pelo roteiro: a beleza e suas outras virtudes se revelam uma gaiola de ouro da qual ela sonha, intimamente se libertar. É um peso. Assim como a força física de Luisa, quando começa a falhar, demonstra que os tais talentos que todos da família receberam talvez não sejam bençãos, mas, sim, carmas, anomalias. Maribel, por fim, talvez esteja em vantagem.
Dirigido por Byron Howe (de Zootopia) e Jared Bush (Moana), Encanto foi impulsionado pelo estrondoso sucesso de sua deliciosa trilha sonora, criada pelo multi talentoso Lin Manuel Miranda, criador de musicais de enorme êxito, como Hamilton e Em Um Bairro de Nova York. O álbum chegou ao topo da parada Billboard e rendeu hits como “You Don’t Talk About Bruno” e “Dos Oreguitas”, indicado ao Oscar de melhor canção original.
Miranda foi buscar inspiração nas sonoridades da música tradicional colombiana, mas também dos seus ritmos mais modernos, como o reggaeton, para compor os temas. Encanto transborda representatividade, do elenco, inteiramente de origem latina, às cores e traços identitários propostos pela trama. A exuberância da cultura colombiana encanta o filme.
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