Algo chama atenção nas primeiras sequências do filme Entre Mulheres: não é possível determinar quando a ação se passa. Pode ser num passado distante ou não. Logo perceberemos que, para suas personagens, isso não faz tanta diferença.
Em uma comunidade rural amish (de cristãos menonitas ortodoxos que vivem sem eletricidade, automóveis ou uso de outros tipos tecnologia), na província canadense de Manitoba, um grupo de mulheres de diversas idades se rebela. As mais jovens e solteiras vêm sendo vítimas de estupros e abusos sexuais sucessivos.
Algumas colonas defendem a ideia de partir deixando tudo para trás, sobretudo os homens da comunidade. Outras preferem ficar e lutar contra a violência que vêm sofrendo há gerações, ao passo que há também quem prefira o silêncio e o conformismo.
À frente do movimento está Ona (Rooney Mara, de Carol), jovem doce e piedosa, mas que, após de ter engravidado de seu agressor, não suporta mais a ideia de seguir se submetendo a uma ordem social dentro da qual não tem direito à voz, mas tem seus medos. Salome (Claire Foy, da série The Crown), cuja filha pré-adolescente também foi estuprada, defende que todas partam o mais rápido possível ou acabará por fazer justiça com as próprias mãos, porém encontra resistência.
Boa parte da ação do filme se passa dentro de um celeiro, onde mulheres da comunidade se refugiam para decidir o seu futuro.
Mariche (Jessie Buckley, de A Filha Perdida), casada com um dos líderes da comunidade, um homem agressivo, dado a bebedeiras, não acredita que possam sobreviver sozinhas, embora sofra na própria pele, e todos os dias, a opressão de não ter voz, de não saber nem poder aprender a ler nem escrever. Scarface Janz (a grande Frances McDormand, também uma das produtoras do filme), mais velha e conservadora, acredita, ou diz crer, que devem se submeter à vontade de Deus.
Em um primeiro momento, temos a sensação de estarmos no século 19, ou nos primeiras décadas do 20, até que um recenseador do governo chega à propriedade onde está instalada a colônia. Descobrimos estar em 2010. Apenas duas garotas mais novas, ainda adolescentes, aparecem para falar com o pesquisador.
Baseado no romance Women Talking, de Miriam Toews, Entre Mulheres é um dos dez indicados ao Oscar de melhor filme. Também disputa a categoria de melhor roteiro adaptado, assinado por sua diretora, a também atriz Sarah Polley (de Longe Dela).

Boa parte da ação do filme se passa dentro de um celeiro, onde mulheres da comunidade se refugiam para decidir o seu futuro. Contam com a presença, e o apoio, de um único homem, August (Ben Whishaw, de Brilho de uma Paixão), professor da colônia, que apenas dá aula para os meninos – as mulheres são condenadas ao analfabetismo. Os pais de August abandonaram a comunidade no passado, por não aceitarem a rigidez de seus valores, mas o rapaz decide retornar, movido por seu amor por Ona.
Polley, talvez também por ser atriz, valoriza muito o trabalho do elenco feminino, afinadíssimo, impressionante. A ação, que transcorre em um período de um dia e uma noite, se dá, sobretudo, pelo jogo que se estabelece, como em uma peça de teatro, por meio dos diálogos, cortantes, muito bem escritos – não seria supresa se o filme levasse o Oscar de roteiro. Mas o uso inteligente da câmera, que se move entre as personagens, as investigando, e da montagem, que ao poucos revela segredos e mentiras daquele microcosmos, nele imprime uma marca cinematográfica.
Inspirador, potente e muito pertinente, ainda que se passe dentro de uma comunidade isolada do mundo, Entre Mulheres discute temas referentes à condição feminina de hoje e sempre. Fala de violência doméstica, psicológica, física e sexual, opressão.
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