Certo dia, a produtora e diretora Rachel Daisy Ellis foi a um motel encontrar uma parceria, que acaba não comparecendo. Sozinha em um quarto destinado ao sexo e à intimidade, ela escuta os sons dos casais em outros quartos e tem a ideia de investigar o que ocorre naqueles espaços, tão sintomáticos para a cultura dos brasileiros. É assim que nasce Eros, o documentário dirigido que estreia esta semana nos cinemas.
Já no início do longa, entendemos que a premissa de Elis (roteirista de Divino Amor, de Gabriel Mascaro) é a de encarar o motel como “a maior instituição de sexo do Brasil”. Sendo uma realizadora inglesa residente em Recife, ela certamente usa elementos da própria cultura para enxergar, por meio da alteridade, que o motel, por essas terras, é muito mais do que um lugar para transar. É ali que se expressam os desejos, as confissões sobre o que há de mais íntimo e onde ocorrem também as pequenas miudezas do cotidiano que formam os casais. Não obstante, há também quem vá sozinho para lá para refletir sobre a vida.
É tudo isso que esse documentário capta, por meio de uma estratégia de autorrepresentação: Rachel convidou os personagens a se filmarem quando fossem a motéis. O resultado é uma trama que costura dez histórias que foram registradas em dez motéis diferentes, espalhados pelo país. A riqueza está na diversidade: há um casal gay, um de evangélicos que usam a Bíblia para justificar sua ida até lá, um casal de jovens adeptos do BDSM, um homem que contrata uma prostituta basicamente para ouvi-lo e até pessoas que vão sozinhas para as suítes.
Em comum, há a impressão que se espalha que, mesmo estereotipados – aquela cara clichê de local meio demodê, meio asséptico, sempre com uma música brega tocando no fundo –, os motéis desempenham uma certa função importante para a nossa subjetividade. São, simultaneamente, espaço de performance e relaxamento.
‘Eros’: o motel como espaço do amor e da transgressão
O que vai ficando claro em Eros, desde a primeira história (que é de um casal de meia-idade sem muitos pudores para se filmar fazendo sexo), é que muita gente vê esse espaço como uma forma de libertar-se do que o “encarcera” em outros lugares de sociabilidade. Nesse sentido, a estratégia da auto filmagem é bem escolhida, uma vez que possibilita que cada um dos personagens escolha o que quer mostrar e como quer ser visto.
O que vai ficando claro em Eros é que muita gente vê esse espaço como uma forma de libertar-se do que o “encarcera” em outros lugares de sociabilidade
Isso coloca, aliás, o processo de montagem (feito por Matheus Farias) com um grande trunfo do filme. A construção dos sentidos da narrativa se dá justamente pela sobreposição de diferentes momentos ocorridos dentro de cada quarto. Um exemplo é quando se enfoca o trisal que brinca sensualmente de padre e freira em sua suíte; mas, em seguida, inclui-se uma cena em que uma das mulheres participantes quebra a sua performance ao questionar o que está sendo filmado.

Outro aspecto muito marcante de Eros é notar que o amor chega ao filme não nos momentos de luxúria, mas nos que acontecem no “entre”. Após o sexo, por exemplo, quase todos os casais são filmados enquanto comem algo no motel e conversam sobre coisas mais banais, seja um comediante que passa na TV ou sobre a própria sexualidade. Não ironicamente, é ali que vem à tona a verdadeira conexão entre os sujeitos presentes em cena – é mais intensa do que quando estão na cama.
Tudo isso coloca Eros como uma obra provocante, mas sobretudo terna, cuja simplicidade formal é justamente o mote para que preciosidades possam vir à tona. Um belo filme.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.