Uma das lições mais importantes que podemos tirar do cinema é que ele pode ser empoderador e representativo, especialmente quando não esquece, antes de tudo, que é uma arte e não um panfleto. Estrelas Além do Tempo parece se encaixar como uma luva no momento atual que vive os Estados Unidos. A história do longa narra a vida de três profissionais importantíssimas à corrida espacial nos anos 1960. Em comum: são três mulheres negras, vivendo uma época em que a segregação racial ainda era uma realidade.
Enquanto leis antimiscigenação só foram derrubadas totalmente em 1967, o Congresso norte-americano só aprovou a lei dos Direitos Civis em 1964 e do direito ao voto em 1967, que encerrariam a segregação institucionalizada, ainda que não tenham soterrado o racismo. Katherine Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughn (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe) eram grandes amigas e competentíssimas profissionais, mas nem isso fazia com que a tensão racial não pairasse na NASA. Não precisavam comprovar sua competência diariamente “apenas” por serem mulheres, mas também tinham que lidar com o preconceito que nem sempre estava escancarado, mas que era enraizado na instituição.
Estrelas Além do Tempo não é um filme brilhante, mas é impulsionado pela inegável ressonância da história de vida de suas personagens, bem como um lembrete assustador da crueldade da segregação racial e dos seus efeitos na sociedade norte-americana, inclusive na Era Trump. Taraji Henson interpreta Katherine Johnson com um vigor instigante, que se justiça fosse a tônica das indicações ao Oscar, teria recebido uma ao prêmio de melhor atriz.
Estrelas Além do Tempo não é um filme brilhante, mas é impulsionado pela inegável ressonância da história de vida de suas personagens, bem como um lembrete assustador da crueldade da segregação racial.
Johnson é uma prodígio da matemática, integrante de um grupo composto de 20 mulheres afro-americanas que consomem linguagem de computadores diariamente, enquanto Dorothy Vaughan é a supervisora do grupo sem ter direito ao título ou à remuneração que lhe caberia pelo cargo. Já Mary Jackson trabalha na equipe responsável pelo desenvolvimento do protótipo da cápsula que levaria o homem à Lua. As três precisam a todo tempo equilibrar suas vidas pessoais e o trabalho, isso dentro de uma realidade machista e racista.
Um bom acerto do diretor Theodore Melfi (de Um Santo Vizinho) foi equilibrar toda essa tensão sob um viés mais leve, acrescentando em alguns momentos um tom mais cômico ao longa-metragem. E isso não é demérito nenhum às personagens, que recebem um tratamento de verdadeiras heroínas. O ponto central deste acerto foi a escalação de Kevin Costner e Jim Parsons nos papéis de “vilões”. Inserir atores costumeiramente bem recebidos pelo público tira os vilões do centro da trama e permite que apenas as três mulheres sejam levadas a sério.
Melfi opta acertadamente em dar ênfase ao brilhantismo de Dorothy, Mary e Katherine, ao invés de centrar o filme, adaptação do livro Hidden Figures: The American Dream and the Untold Story of the Black Women Mathematicians Who Helped Win the Space Race, no tema racial. Mas, se por um lado, a opção torna a obra mais leve, por outro, deixa ela um pouco pasteurizada e asséptica. O arco narrativa de personagens como o de Kirsten Dunst soam mais como uma pequena lição de moral, uma busca por redenção que não cabe no filme. Neste sentido, talvez um documentário fosse mais brilhante (e envolvente) que um filme de ficção.
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