A maior qualidade de Eternos, novo longa-metragem da Marvel, é não ser mais do mesmo, a despeito de seus defeitos. No filme, em cartaz nos cinemas, somos apresentados a um grupo de heróis imortais, criados à imagem e semelhança dos humanos por uma entidade alienígena superior, denominada “celestial”, com a missão de proteger e ajudar a humanidade ao longo da sua evolução social e tecnológica, sem evitar que cometam seus inevitáveis erros, por acreditarem que deles vêm os maiores aprendizados.
Os maiores inimigos dos Eternos são os deviantes, raça de alienígenas monstruosos, ironicamente também crias do mesmo “celestial” que deu origem aos heróis da trama. Por terem a capacidade de evoluir além do seu propósito inicial, esses seres “degenerados” precisam ser exterminados. Dessa forma, a humanidade terá um futuro, a ser salvaguardado pelos Eternos.
O instigante é que, à medida em que os heróis imortais conhecem mais de perto os deviantes, que julgavam estar extintos, vão aos poucos descobrindo as próprias imperfeições e como foram manipulados ao longo de milênios. Vão se dar conta que são seus próprios inimigos. O vilão não é o outro, mas eles mesmos.
Se pensarmos nisso como uma metáfora para o mundo contemporâneo, no qual sempre foi mais conveniente culpabilizar o distante e o desconhecido, Eternos oferece uma reflexão pertinente. Tomemos como exemplo a tentativa de setores do Ocidente de culpabilizar a China pela pandemia de covid-19, como se a humanidade como um todo não fosse também responsável.
Sob a direção de Chloe Zhao, cineasta de origem chinesa vencedora do Oscar deste ano por Nomadland, Eternos carrega algumas marcas da obra de sua realizadora, cujos filmes são estudos intimistas de personagens sempre à margem da sociedade. De certa maneira, todos os semideuses que protagonizam a nova saga da Marvel, que caminham entre humanos há 7 mil anos, representam grupos que, por sua etnicidade, orientação sexual ou condição física, se irmanam aos protagonistas marginais da filmografia de Zhao.
Sob a direção de Chloe Zhao, cineasta de origem chinesa vencedora do Oscar deste ano por Nomadland, Eternos carrega algumas marcas da obra de sua realizadora, cujos filmes são estudos intimistas de personagens sempre à margem da sociedade.
Os Eternos se dividem em duas categorias: os pensadores e os lutadores, numa espécie de dicotomia ying e yang. A líder dos pensadores é Ajax (a mexicana Salma Hayek, de Frida), que detém o dom da cura. Ao seu lado, ela tem Sersi (a sino-britânica Gemma Chan), cujo super poder é a capacidade de alterar a matéria das coisas. Também está entre os pensadores Phastos (Brian Tyree Henry, de Viúvas), negro, acima do peso e gay, casado com um homem mortal. Ele tem a habilidade de desenvolver tecnologias à frente de seu tempo. Druig (o irlandês Barry Keoghan, de O Sacrifício do Cervo Sagrado), por sua vez, tem o poder de manipular as mentes dos seres humanos, enquanto Duende/Spite (Lia McHugh) é uma adolescente incapaz de tornar-se adulta e cria ilusões.
Na categoria dos lutadores, está Thena (Angelina Jolie), criadora de armas místicas que apresenta os primeiros sintomas de uma enfermidade semelhante à doença de Alzheimer. O mais forte desse grupo é Ikaris (o escocês Richard Madden, da série Game of Thrones), ex-marido de Sersi, capaz de voar e disparar raios laser de seus olhos. Também com habilidades físicas de luta está Kingo (o paquistanês Kumail Nanjiani, de Doentes de Amor), que lança raios de energéticos pelas mãos. Completam o time Gilgamesh (o sul-coreano Don Lee), cujos socos são super potentes; e Makkari (vivida pela atriz surda Lauren Ridlof), a mulher mais rápida do universo.
Como se percebe, em Eternos, tanto personagens como atores que os interpretam, representam vários tipos de diversidade, o que é uma opção política tanto de Chloe Zhao quanto do Marvel Studios de contemplar outros públicos, e realidades, a partir de heróis de todas as cores e tamanhos. Esse é outro louvável ponto alto do filme, que já arrecadou em torno de US$ 166 milhões em menos de uma semana de exibição, cifra apenas respeitável para o MCU (Universo Cinematográfico Marvel), porém notável em se tratando da ousadia de suas escolhas.
Eternos, é preciso dizer, tem problemas de ritmo, é por vezes redundante e poderia ser muito bem mais curto. Embora tenha algumas ótimas sequências de ação, como as que se passam em Londres no início do filme, o filme é melhor quando os Eternos são menos super-heróis e interagem como humanos, expondo suas fragilidades e idiossincrasias. A direção de Zhao parece bem mais à vontade nesses momentos, muito divertidos, inusitados e até tocantes, como o beijo apaixonado de Phastos em seu marido, o primeiro entre dois homens no MCU, e as manifestações de solidariedade a Thena, quando ela parece se lembrar de nada. Tudo fica muito mais poderoso.
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