Ousadia formal pode ser uma armadilha quando se trata de arte. Por vezes, o esforço excessivo em inovar, ao invés de potencializar uma trama, a drena de sua força essencial. Esse é o problema fundamental de Os Fantasmas de Ismaël, drama do cineasta francês Arnaud Desplechin (de Um Conto de Natal), que agora chega aos cinemas brasileiros depois de ter desfrutado do privilégio de ser o longa-metragem de abertura da 70º Festival de Cannes, em 2017.
Reconhecido como um excelente diretor de atores e roteirista inventivo, Desplechin não pode ser acusado de ter sido, digamos, conservador, na construção da narrativa de Os Fantasmas de Ismaël. Ela se sustenta em pelo menos quatro eixos: o dilema criativo vivido pelo personagem-título, um cineasta em crise (Mathieu Amalric, de O Escafandro e a Borboleta); o filme por ele dirigido, que instila, ao ser incorporado à trama, a metalinguagem na trama; o retorno de Carlotta (Marion Cotillard, de Piaf – Hino ao Amor), ex-mulher do diretor, que ressurge após desaparecer por mais de duas décadas; e, por fim, a relação de Ismaël com Sylvia (Charlotte Gainsbourg, de Ninfomaníaca), que sofre um abalo sísmico com o ressurgimento inesperado de Carlotta.
Reconhecido como um excelente diretor de atores e roteirista inventivo, Desplechin não pode ser acusado de ter sido, digamos, conservador, na construção da narrativa de Os Fantasmas de Ismaël.
À primeira vista, ao explorar esses quatro elos narrativos, Desplechin teria nas mãos uma corrente promissora, bastante forte. Mas não é o que acontece. Talvez por querer escapar da tentação do óbvio, o cineasta tenha buscado tratar cada unidade de forma diversa, indo da comédia do absurdo, representada pelo filme dentro do filme, ao melodrama, personificado pela volta misteriosa de Carlotta, passando pelo drama mais realista, presente nas cenas que retratam a história de amor entre o protagonista e Sylvia. Sem falar dos impasses artísticos de Ismaël, que embora sejam interessantes, emperram a fluência dramática do enredo.
Apesar do ótimo elenco (em especial, Marion Cotillard), e da originalidade da estrutura do enredo, há uma frouxidão narrativa que torna as subtramas, todas potencialmente interessantes, frustrantes, porque jamais decolam, e cativam, de fato, o espectador, que fica um tanto desnorteado sem saber em que direção o filme, bonito visualmente, segue. Uma pena.
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