O mais recente filme de Woody Allen, Golpe de Sorte em Paris, em cartaz nos cinemas brasileiros, marca seu lançamento mais significativo desde Roda Gigante, de seis anos atrás. Allen, nesse período, continuou ativo, assinando um contrato de quatro filmes com a Amazon em 2017 e lançando Um Dia de Chuva em Nova York pouco depois. No entanto, acusações de abuso sexual e o fortalecimento do movimento #MeToo, alimentado por reportagens de seu filho Ronan Farrow, levaram à rescisão do contrato. A pequena distribuidora MPI Media Group acabou lançando seus últimos filmes, incluindo o irregular Rifkin’s Festival e, agora, Golpe de Sorte em Paris.
Rodado na França, com um sólido elenco francês, este 50º longa-metragem de Allen é um thriller cômico sobre adultério e assassinato, temas recorrentes na obra do cineasta nova-iorquino. Na trama, Fanny (Lou de Laâge) encontra Alain (Niels Schneider), um amigo de escola, e inicia um caso extraconjugal. Seu marido, Jean (Melvil Poupaud, excelente), descobre a traição e contrata assassinos para matar Alain. Fanny acredita que o amante a abandonou, enquanto sua mãe, Camille (Valérie Lemercier), começa a investigar por conta própria.
A obra explora um tema constante nos filmes de Allen: a capacidade dos personagens de cometer atos malignos e seguir com suas vidas sem remorso. Desde Crimes e Pecados (1989) até Ponto Final: Match Point (2005), o diretor reflete, dialogando mais uma vez com Dostoievski e seu Crime e Castigo, sobre personagens que escapam da Justiça, seja por sorte ou por circunstâncias favoráveis. Em Golpe de Sorte em Paris, o foco está em Jean, um homem poderoso, algo patológico, que esconde segredos e crimes do passado, e em Camille, que desconfia do desaparecimento de Alain.
A investigação de Camille é central para o desenrolar da trama. Enquanto Jean tenta eliminar qualquer suspeita, Camille descobre pistas sobre o comportamento duvidoso do genro. O filme combina suspense e humor, com a personagem de Camille conduzindo uma investigação amadora baseada em fofocas e rumores, que acabam por gerar tensão e comicidade.
‘Golpe de Sorte em Paris’: segredos e mentiras
O estilo visual do filme, com longas cenas de plano-sequência, lembra o teatro, e os cenários parisienses são apresentados de forma idealizada, a um passo do exótico. Allen demonstra sua paixão por Paris, retratando a cidade de forma elitista, sem tocar nas partes menos glamourosas, ou multiétnicas. Os personagens vivem de acordo com estereótipos, e, embora as atuações sejam tecnicamente habilidosas, é evidente uma certa artificialidade na tradução do universo de Allen para o francês.
Apesar de algumas falhas estéticas, Golpe de Sorte em Paris traz o vigor característico das tramas de Allen, especialmente em sua capacidade de criar reviravoltas e surpresas.
Apesar de algumas falhas estéticas, Golpe de Sorte em Paris traz o vigor característico das tramas de Allen, especialmente em sua capacidade de criar reviravoltas e surpresas. A personagem Camille, interpretada com destaque por Valérie Lemercier, acaba roubando a cena, enquanto Jean é o centro das atenções de Allen. A construção da narrativa é baseada no prazer do diretor em desenvolver uma trama intrincada de segredos e mentiras.
Por fim, o filme pode ser visto como uma metáfora para a própria vida de Allen. A figura da sogra Camille pode ser interpretada como um reflexo de Mia Farrow, ex-companheira de Allen e mãe de Dylan Farrow, que o acusou de abuso. O vigor da caracterização de Camille e a complexidade das relações familiares no filme remetem às questões pessoais e públicas que Allen enfrentou nas últimas décadas.
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