O longa-metragem Greice é o que podemos chamar de um filme irresistível em sua despretensão. Entre uma chanchada brasileira e uma comédia screwball, o título, coprodução Brasil-Portugal exibida neste fim de semana na Competitiva do festival Olhar de Cinema, é leve e descontraído, porém mais consistente do que aparenta. A personagem-título enfrenta os desafios da vida com meias-verdades, exageros e evasões, em um enredo que ganha mais e mais apelo à medida que se desdobra, por conta de situações inusitadas e diálogos inspirados, tudo muito bem articulado pelo roteiro, assinado pelo também diretor, o cearense radicado em Portugal Leonardo Mouramateus, de Antonio, Um, Dois, Três.
Mouramateus continua em Greice sua exploração de temas como engano, colonialismo, fantasia e a maneira como enfeitamos os fatos para criar uma versão mais interessante de nossas vidas mundanas. Greice (Amandyra) é uma estudante brasileira de Belas Artes em Lisboa, especializada em escultura, que trabalha em um quiosque de café e ajuda na produção do clipes da estrela musical em ascensão Clea (Isabel Zuaa). Greice não se incomoda em deixar o mundo pensar que ela é a gerente tanto da cafeteria quanto a responsável pela condução da carreira de Clea.
Greice, oportunista inveterada, conhece o português Afonso (Mauro Soares) quando consegue entrar na casa dele para usar a piscina em um dia escaldante de verão, alegando que seria perfeita para um vídeo de Clea. Isso marca o início de uma relação complicada, marcada pelo colonialismo velado de Afonso, que eventualmente os leva a uma festa de boas-vindas dos calouros com uma caça ao tesouro em um museu, onde uma pintura valiosa é incendiada e Greice se torna suspeita. Ela foge para sua cidade natal, Fortaleza, determinada a resolver tudo e retornar legalmente a Portugal. Optar por ficar em um hotel sem avisar ninguém de seu retorno adiciona mais uma complicação à sua saga. Afinal, é uma comédia de erros.
Greice, nos melhores moldes da comédia screwball, é uma heroína disruptiva e impulsiva, um tanto alheia ao danos que causa no caminho.
A festa no museu é central para a trama, com Mouramateus intercalando flashbacks dos eventos que a antecederam e retornando constantemente a ela conforme a narrativa avança. A cada revelação, aprendemos mais detalhes do que realmente aconteceu naquela noite.
Greice, nos melhores moldes da comédia screwball, é uma heroína disruptiva e impulsiva, um tanto alheia ao danos que causa no caminho. Ela se revela uma mulher para quem enganar é tão natural quanto respirar. Descobrimos que até seu diário de infância era um amontoado de mentiras. Amandyra, com seu sorriso leve e gracioso, sua presença leve, personifica esse espírito despreocupado, algo leviano.
Mouramateus explora ao máximo as locações. O vasto museu em Lisboa é repleto de escadarias de mármore sinuosas, pinturas e murais coloridos, enquanto o hotel anônimo em Fortaleza, com sua recepção ampla e piscina convidativa, oferece esconderijos perfeitos para os jogos de dissimulação da protagonista.
O retorno de Greice à sua cidade natal sugere um momento de acerto de contas, mas inevitavelmente se transforma em mais uma oportunidade de reinvenção, ou recomeço. As lições aprendidas ao longo do caminho parecem ressoar mais com outros personagens do que nela mesma, embora a necessidade de autenticidade seja um tema constante.
Amandyra está muito bem como Greice e lhe empresta a ambiguidade necessária. Também se destacam as performances de Bruna Pessoa, como a prima ressentida de Greice, Marcia, e de Dipas como Enrique, o afetuoso recepcionista do hotel, ambos cúmplices voluntários (ou quase) nos jogos de Greice com fatos e ficção. À medida em que a história avança, o filme se torna mais e mais envolvente, culminando em um contagiante número de dança e na resolução do mistério da festa dos calouros, satisfazendo aqueles que buscam a verdade dos fatos, algo que nem é tão importante em um filme saboroso, muito bem escrito e dirigido.
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