O nome de Harriet Tubman passou a ser bastante comentado em 2016, quando houve uma proposta de homenageá-la com a inserção do seu rosto nas notas de vinte dólares. A ideia foi deixada de lado por Donald Trump e, no fim de janeiro deste ano, o novo governo dos Estados Unidos anunciou que retomará o projeto.
Mas, afinal, quem é Harriet Tubman? O filme Harriet (2019), com direção de Kasi Lemmons e roteiro de Gregory Allen Howard e da própria Kasi Lemmons, trata de responder (e muito bem!) para o grande público. A produção, aliás, ganhou destaque por concorrer a duas categorias no Oscar 2020: Melhor Atriz (Cynthia Erivo) e Melhor Canção Original (Stand up, com Joshuan Brian Campbell e Cynthia Erivo).
A protagonista do filme, aqui interpretada por Cynthia Erivo, foi uma afro-americana que nasceu escrava na década de 1820, em Maryland. Ela fugiu da escravidão e se estabeleceu na Filadélfia, em 1849, e, a partir de então, tornou-se um dos grandes nomes na luta contra o trabalho escravo na história dos Estados Unidos.
Nascida como Araminta Ross, ela mudou o nome para Harriet Tubman após conseguir a liberdade. Em sua fuga, Harriet caminhou cerca de 160 quilômetros, partindo da comunidade de Bucktown, no Estado de Maryland, até a Filadélfia, no Estado da Pensilvânia. Depois disso, passou a atuar na luta pela libertação de outros escravos.
Em sua adolescência, vivenciou um episódio traumático que lhe gerou consequências graves para o resto da vida. “O feitor abriu a minha cabeça quando eu tinha 13 anos”, conta a personagem. Em sua biografia, consta que ela tentou ajudar um escravo em fuga e foi atingida por um peso arremessado pelo perseguidor.
Fala-se que o choque no crânio de Harriet causou uma narcolepsia (doença que provoca sono profundo). No filme, a narcolepsia é exposta como a habilidade da protagonista de falar com Deus e, assim, libertar o povo da escravidão. Justamente por isso, ela acabou sendo conhecida como “Moisés Negro”, em referência ao hebreu que, conforme a Bíblia, garantiu a liberdade de seu povo da escravidão no Egito.
Ela acabou sendo conhecida como ‘Moisés Negro’, em referência ao hebreu que, conforme a Bíblia, garantiu a liberdade de seu povo da escravidão no Egito.
Essa menção bíblica é bastante simbólica em uma das cenas. Harriet acaba de ser colocada à venda. Ela então vai despedir-se de sua mãe antes de fugir porque um interessado em comprá-la logo aparece. Na cena de despedida, a música disfarça sua mensagem real e é cheia de significado. “Quando a carruagem do faraó vier, eu vou deixá-la, eu vou encontrá-la na terra prometida”, diz o blues Goodbye Song, belamente interpretado por Cynthia Erivo.
É uma despedida musicada, poética, triste e cifrada, onde o “faraó” é o interessado na compra da escrava posta à venda; e a “terra prometida” é a liberdade a ser encontrada na Filadélfia, onde a Sociedade Antiescravidão do estado da Pensilvânia representa uma esperança gigantesca, considerando o seu trabalho de acolhida de escravos fugidos.
Essa cena tem ainda mais apuro em sua estruturação. Enquanto Harriet canta sozinha, a música é um risco, já que sua voz solo pode mostrar ao opressor onde ela está e, assim, facilitar a captura. No momento exato, porém, a música passa a ser executada em coro pelos trabalhadores da roça, algo que confunde o perseguidor, que já não é mais capaz de saber onde está Harriet, no meio de tantas vozes.
Esta versão da história de Harriet Tubman é assim: cheia de detalhes pensados para entregar uma narrativa bem construída, didática e fácil de ser capturada pelo espectador, considerando as muitas informações lançadas pelo roteiro, como tradicionalmente acontece com cinebiografias.
Para coroar o trabalho, a produção é marcada por uma trilha sonora com as vozes intensas dos afro-americanos e suas belas entoações de blues. Não deixa de ser uma referência à intensidade da vida da protagonista, marcada por força, resistência e belíssimas ações em favor dos outros.
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