O longa Homeland – Iraq Year Zero (Terra Natal – Iraque Ano Zero, Abbas Fahdel, 2015), mais que um filme político é um filme sobre o tempo. Abbas Fahdel, entre tantas possibilidades narrativas (ou não) e de linguagem, escolheu fazer um filme de 5h13. Admito que no segundo dia de Olhar de Cinema adentrei na sala 2 do Espaço Itaú com certa resistência. Eram 313 minutos de um dia ensolarado dedicados a um único filme, e que, eu sabia, seria denso, pois devido ao contexto não poderia ser diferente.
Dividido em duas partes, a primeira dedica-se aos meses anteriores à ocupação norte-americana do país e a segunda nos mostra a rotina dos iraquianos duas semanas após dos bombardeios em diante. Num aspecto lúdico, Abbas nos leva para sua casa, nos introduzindo no seio de uma família qualquer que poderia ser a minha ou a sua, porém é uma família que vive em meio a uma instável situação política e na expectativa de um iminente ataque.
Em forma de crônica, o diretor acompanha o dia a dia de seus familiares entre estocamentos, quedas de luz e cortes de água. Fui surpreendida pelo lirismo dos jovens em tentar encarar a realidade cruel da guerra com bom humor e união gerando no espectador empatia e identificação. Desta forma, Fahdel transforma em sujeito personagens cujas vidas a mídia ocidental se dedicou a distorcer, desumanizar e distanciar. Boa parte da obra é dedicada à exibição de rostos, milhares deles. Olhares assustados, curiosos com o artifício do câmera, desconfortáveis, tímidos, sorridentes, decepcionados, cansados… humanos.
De maneira crítica, contemplativa e, ao mesmo tempo, melancólica, vemos na tela fantasmas de um conflito que deixou casas e famílias iraquianas em ruínas.
De maneira crítica, contemplativa e, ao mesmo tempo, melancólica, vemos na tela fantasmas de um conflito que deixou casas e famílias iraquianas em ruínas. Mesmo com o descontento de muitos, parte da população iraquiana estava esperançosa pela queda do regime de Saddam Hussein na expectativa da instauração de uma democracia, de estabilidade política e econômica e por um sonho de crescimento. A decepção surge rapidamente após a truculência e falta de estratégia dos americanos ao deixarem a população iraquiana à beira do caos, da violência e da miséria.
Colocando-me no lugar de Abbas Fahdel, não é difícil entender o porquê de um filme tão longo. Fahdel, no período de um ano filmou pessoas que amava e, algumas delas, que perdeu. Mexer em um arquivo praticamente familiar depois de 13 anos deve trazer muita coisa à mente de um homem que, para mostrar o lado iraquiano da história, toca em feridas do próprio passado. Depois de tantas horas convivendo com os Fahdel, sentimo-nos quase um parente; rimos juntos, dividimos o mesmo medo e os dilemas. De caráter nostálgico, Abbas encontrou uma forma de estender as vidas de pessoas que sente falta, tornando eternos aqueles que se foram.
Para um filme tão pessoal, abrir mão do apego deve ser terrivelmente difícil. Como decidir o que colocar e o que cortar de imagens da própria vida? São cinco horas de memórias. Possíveis espectros de uma guerra que Fahdel carrega em forma de imagem, imagens e registros de momentos que mudariam sua vida e sua forma de ver o mundo para sempre. Assim como eu quando saí da sala de cinema à noite, com chuva, com fome, e mentalmente exausta. O sol se foi e tudo era diferente de quando entrei, Homeland faz isso com as pessoas…
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