A carreira do diretor argentino Gustavo Taretto foi construída em cima de seus bons roteiros de curta-metragem, todos também dirigidos por ele. Medianeras, de 2005, foi o primeiro a ganhar uma versão em longa-metragem, em 2011, recebendo elogios de crítica e público, não tardando a ganhar ares de filme cult.
A primeira parte deste “roteiro” acontece também com Las Insoladas, um curta-metragem de 2002 que ganhou uma versão longa em 2014, e chegou na última semana em algumas salas de cinema no Brasil.
Trazendo de volta seu grande parceiro Leandro Martínez na direção de fotografia, Las Insoladas leva o espectador de volta a Argentina dos anos 1990. Na tela, seis amigas estão juntas no terraço de um prédio tomando sol na véspera do Ano Novo.
Elas se conheceram na aula de dança e estão desfrutando de uma tarde de sol antes de participarem de uma competição de salsa. Elas compartilham seus sonhos e as consequentes frustrações pela não concretização destes, até o momento que uma delas têm uma epifania: precisam sonhar sonhos palpáveis.
Uma das garotas sugere uma viagem às praias cubanas, onde possam desfrutar verdadeiramente de um banho de sol. Decidem, então, fazer um pacto para economizarem dinheiro e viajarem no ano seguinte para Cuba. A partir deste argumento, toda a trama se desenvolve, abordando questões como amizade, companheirismo, preconceito e, de forma leve e nada panfletária, toda a crise econômica pela qual o país passa desde o final da era Menem e que teve ápice durante o governo de Fernando de la Rúa.
Elas compartilham seus sonhos e as consequentes frustrações pela não concretização destes, até o momento que uma delas têm uma epifania: precisam sonhar sonhos palpáveis.
A Argentina sofreu com a corrupção no governo de Carlos Menem durante os anos 1990. Já com Fernando de la Rúa, o problema da queda do PIB, aumento do desemprego, da inflação e a consequente alta dos preços criou um período de instabilidade política e econômica no país, retraindo o poder de consumo da classe média argentina. E este sufoco é a metáfora transformada em tons amarelos e calor acima de quarenta graus que vemos em Las Insoladas.
Com temáticas diferentes, que se cruzam nas entrelinhas também de formas diferentes, há um grande risco de que se espere de Las Insoladas que ele seja Medianeras. Porém, não o é.
A dupla Taretto-Martínez faz, novamente, um grande trabalho com a fotografia. Las Insoladas é um filme em tons quentes, no qual a direção de fotografia e a direção de arte funcionam incrivelmente bem, criando um cenário por vezes sufocante, tamanha sensação de calor transmitida pelo uso de cores.
O diretor obtém êxito em transportar o espectador para esse mesmo terraço onde encontram-se suas personagens, utilizando, ainda, a marcação de tempo na tela. Contudo, talvez isso acabe jogando um pouco contra o longa.
Algumas sequências são demasiado arrastadas. Poderiam, sem perda à narrativa, serem cortadas pela metade, tornando o filme mais dinâmico. Até por isso, alguns diálogos soam desconexos com o contexto do filme. Ainda assim, Las Insoladas é uma “dramédia” divertida, curiosa e pertinente.
Se todos os curtas de Gustavo Taretto forem como os já transformados em longa, teremos bons sopros de criatividade pela frente.
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