Ao menos desde Poltergeist (1982), de Tobe Hopper, e Videodrome (1983), de David Cronenberg, a televisão foi apropriada enquanto um objeto que pode ser conectado ao sobrenatural e ao maligno. A tecnologia nascente – por conta tanto de seus elementos físicos marcantes (como a estática) quanto por seu poder de persuasão – sempre pareceu um dispositivo capaz de servir de portal para o que havia de mais obscuro.
Ainda não lançado no país, Late Night With the Devil, dos diretores australianos Cameron e Colin Cairnes, tem gerado uma ótima repercussão entre os fãs do gênero ao fazer uma espécie de homenagem não apenas a esses filmes, mas à televisão produzida nos anos 1970 e aos programas em estilo talk show. Mas, diferente dos filmes de que, aqui o foco está na produção dos programas (e não em sua recepção), mas, sobretudo, nas consequências do já pungente sensacionalismo televisivo.
A proposta de Late Night With the Devil é se enquadrar enquanto um found footage. Há uma fita que foi encontrada que mostra um episódio do programa Night Owls de 1977, capitaneado pelo apresentador meio canastrão Jack Delroy (David Dastmalchian, de Duna, que está excelente no papel). O episódio, exibido durante o Halloween, é maldito: sabe-se que algo muito terrível ocorreu naquela noite.
Contudo, o que vai ocorrendo – e que não cabe contar aqui para não estragar a experiência – é eletrizante. Em cerca de 90 minutos, a obra dos irmãos Cairnes convence e nos envolve em um único fôlego do início ao fim.
Uma homenagem (horrenda) à televisão
Categorizado entre o horror e a comédia, Late Night With the Devil é desses raros filmes que conseguem aproximar gêneros improváveis de uma forma original.
Categorizado entre o horror e a comédia, Late Night With the Devil é desses raros filmes que conseguem aproximar gêneros improváveis de uma forma original. É engraçado por razões difíceis de precisar, sem nunca arrancar gargalhadas – o chiste está na paródia bem feita à estética dos anos 1970 e na crítica elegante que carrega aos excessos televisivos em prol da audiência.
Jack Delroy, no momento de produção de seu programa, está em baixa: parece condenado a sempre permanecer na vice-liderança, atrás do programa de Johnny Carson. Mas, como quase todo apresentador de programas populares, Delroy parece propenso a fazer qualquer coisa para salvar o show. Ao lado de seu produtor nebuloso (Josh Quong Tart), ele dá a sensação de ser daqueles tipos capazes de vender a mãe caso isso renda uns pontinhos de IBOPE.
Para tentar bombar no Halloween, eles investem em um filão que costuma ir bem nesse tipo de atração: o sobrenatural (o que faz lembrar, por exemplo, nos tantos programas dominicais que levaram médiuns ao antigo local do presídio do Carandiru para ouvir espíritos). E, como o título já entrega, isso pode significar, no Night Owls, um “convite” ao diabo.
Os cenários iluminados de um estúdio de televisão, por incrível que pareça, podem ser mais assustadores que os ambientes soturnos típicos de filmes do gênero. Entram então no palco desse programa maldito personagens tão bizarros como risíveis, como um médium árabe capaz de se conectar com os mortos (o ator libanês Fayssal Bazz), um sujeito meio “Padre Quevedo” que se dedica a desmentir fraudes (Ian Bliss) e uma parapsicóloga (Laura Gordon) que salvou uma menina de uma possessão demoníaca (Ingrid Torelli, assustadora).
Talvez toda a ideia não seja exatamente original, assim como filmes que criticam o sensacionalismo televisivo não são uma novidade. Mas Late Night With The Devil prova uma verdade: quando bem executada, até uma trama meio batida pode gerar um bom filme.
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