Clarice Lispector diria que A Loucura Entre Nós (Fernanda Fontes Vareille; 2015) é um soco no estômago. O documentário, que compõe a mostra Outros Olhares no 4º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, coloca o espectador como visitante do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira. Inicia-se com um plano aberto da fachada do hospital, olhamos para ele e entramos.
Já com o olhar acomodado no interior do Criamundo, instituição que funciona dentro das dependências do Hospital Juliano Moreira, observamos a porta que separa o dentro e o fora, aquele que pertence ao hospital e aquele que está de passagem. Arlindo Machado diz que o espectador tem o olhar curioso de quem olha pelo buraco da fechadura. A Loucura Entre Nós é justamente isso, nosso olhar é sempre mediado, um olhar que vigia, mas não pertence.
Os pacientes querem ser olhados pelo buraco da fechadura, olham para a câmera, procuram ser enquadrados por ela, contam suas histórias, querem ser vistos, uma chance de pertencer ao lado de fora. As amigas se abraçam em frente à câmera, pedem para o homem que tenta ser enquadrado sair da frente. Quando a câmera não está na mesma altura, elas se abaixam para ser vistas.
Há sempre um discurso de afirmação de identidade, eles sempre dizem quem são.
Há sempre um discurso de afirmação de identidade, eles sempre dizem quem são; o senhor diz que é brasileiro, canta o hino nacional e todos o acompanham. No fim do hino a paciente diz: “O hospital psiquiátrico é uma loucura, somos todos loucos uns pelos outros”. Ali eles criam uma sociedade, eles podem assumir a identidade negada no mundo externo. O que eles mais querem é a inclusão, a paciente diz que busca uma saída, a vida social.
A mulher que mora na periferia volta para casa. A artista plástica que vive em um apartamento de classe média, também volta para casa. Independente da classe social, elas saem do Criamundo em busca de um recomeço. A personagem canta uma música, evocando ressurreição tem o cuidado de cantar para a câmera, ela quer viver do lado de fora de um jeito novo, um jeito “normal”.
O filme termina com a multidão que se movimenta pelo espaço urbano. Questiona o nosso pertencimento em uma sociedade que exclui, que determina normalidades, que separa o que deve estar do lado de dentro e do lado de fora. Nosso olhar pelo buraco da fechadura nos coloca como parte dessa sociedade, que não quer penetrar no espaço habitado pelos pacientes do Criamundo.
A loucura pode estar entre nós. Afinal, qual é o lado de dentro e o lado de fora dessa fechadura do mundo?
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