‘Lugares Escuros’ investiga escombros da memória

Uma tragédia familiar une a protagonista de Lugares Escuros, Libby Day, e a atriz que a interpreta no possante thriller dramático baseado no romance homônimo de Gillian Flynn, mesma autora do best seller Garota Exemplar. A personagem, 30 anos atrás, testemunhou o assassinato da mãe e de suas duas irmãs. Na vida real, a estrela sul-africana Charlize Theron, que a vive na adaptação, testemunhou na adolescência a morte do pai, um homem abusivo que foi abatido a tiros pela própria mãe da artista.

Essa conexão pode ou não ter a ver com a intensidade que Charlize, também em cartaz atualmente em Mad Max – Fúria na Estrada, dá a sua interpretação, um dos pontos altos do filme, dirigido pelo francês Gilles Paquet-Brenner, do bom drama A Chave de Sarah (2010). Mas é inevitável questionar por que ela teria aceito o papel em uma trama tão próxima a sua história pessoal.

Em comparação a Garota Exemplar, Lugares Escuros é uma obra mais sombria, realmente dramática e menos lúdica.

É importante assinalar, no entanto, que a excelente atuação da atriz alça voo sobretudo porque o bem construído roteiro de Lugares Escuros lhe dá a chance de assumir extrema complexidade, por conta de uma estrutura que vai e volta no tempo, propondo ao espectador um quebra-cabeças a ser montado a partir dos fragmentos da memória da protagonista, que ao longo da narrativa vão emergindo.

Libby é uma mulher amarga, consumida pela dor que carrega. Uma personagem sob medida para Charlize, que tenta sempre fugir de papéis que explorem sua beleza física. A personagem, um tanto sem rumo, aceita dinheiro para narrar sua tragédia pessoal a uma equipe de investigadores amadores. Eles desejam usar o caso como desafio, revirando arquivos, em busca de erros que teriam sido cometidos pela polícia durante o processo.

Ao revirar o passado, e trazer à tona novas evidências, a investigação levanta uma possibilidade aterrorizante: talvez o irmão mais velho de Libby, Ben (vivido pelos atores Corey Stoll e Tye Sheridan, nas diferentes fases da trama), condenado pela chacina, pode ser inocente. O pior é que o depoimento de Libby, à época do inquérito, foi peça fundamental no processo e, aos poucos, ela se dá conta de que pode, sim, ter distorcido fatos, em busca de uma solução para o crime. Teria ela agido movida por um sentimento inconsciente de vingança? Boa pergunta.

Em comparação a Garota Exemplar, no qual o diretor David Fincher brinca com a estrutura do romance que lhe deu origem para discutir temas como o culto à celebridade, Lugares Escuros é uma obra mais sombria, realmente dramática e menos lúdica. Ainda assim, é um filme poderoso, com mais uma interpretação estelar de Charlize Theron.