Luiz Melodia foi um músico brasileiro que desafiou as expectativas. Nascido no Morro de São Carlos, no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, o compositor e cantor ousou reivindicar algo impensado: o direito de controlar a própria carreira. O que isso lhe custou, muitas vezes, foi um reconhecimento e um sucesso bem menor do que poderia ter desfrutado em vida.
É esta a história contada em Luiz Melodia – No Coração do Brasil, documentário de Alessandra Dorgan que se sagrou como grande vencedor do festival In-Edit Brasil de 2024. A proposta no filme é que o próprio Melodia, que faleceu em 2017, narre sua vida em primeira pessoa, a partir de imagens de arquivo capturadas por um apurado trabalho de pesquisa.
O que Luiz Melodia – No Coração do Brasil vai nos esclarecendo (ou relembrando) é a importância histórica desse músico extraordinário para a cultura brasileira.
Basicamente, o que vimos e ouvimos é uma construção narrativa semi-cronológica que se inicia com Luiz Melodia criança, em imagens ilustrativas, rememorando como o seu contexto de crescer no morro, cercado pela boemia e contemplado por uma infância livre, lhe deu a chance de sonhar em viver da música. Rebelde, o filho do compositor Osvaldo Melodia não queria se restringir ao rótulo de ser sambista. “Eu sempre gostei de jazz”, conta em certo momento.
Surgia então um músico tão genial quanto indomável. Sua grave voz aveludada e sua figura malemolente e esbelta, ecoando a estética da black music que bombava nos anos 1970, fizeram com que fosse comparado pela imprensa a uma pantera negra. A figura do felino, inclusive, foi incorporada por Luiz Melodia em uma música homônima. Além disso, ele também gravou “Negro Gato”, de Roberto Carlos.
O que Luiz Melodia – No Coração do Brasil vai nos esclarecendo (ou relembrando) é a importância histórica desse músico extraordinário para a cultura brasileira. Isso é feito por meio de depoimentos raros que são resgatados – como quando Gal Costa é entrevistada (por Jô Soares!) sobre Melodia, por ter escolhido “Pérola Negra”, composição de um músico até então desconhecido, para o seu show icônico Gal A Todo Vapor, em 1971. Mas o sucesso bateria de verdade à porta do cantor em dois momentos: quando Bethânia grava “Estácio, Holly Estácio” em 1972, e quando “Juventude Transviada” entra na trilha sonora da novela Pecado Capital, em 1975.
Já nos anos 1980, Luiz Melodia passou a amargar um afastamento da indústria fonográfica, cujas razões, segundo suas falas no filme, decorrem das negativas de ser enquadrado pelas gravadoras apenas como sambista – o único lugar possível na música para um homem negro cria do morro.
A partir deste momento, o documentário – sem perder o fim da meada, nem apelar a uma trilha sonora dramática, mas apenas usando apenas as canções de Luiz Melodia – vai costurando entrevistas com o músico em que ele explana, não sem certa tensão, sobre as razões pelas quais ele seguia sendo categorizado como “maldito” ou “difícil” pela imprensa, a partir da própria repercussão das gravadoras.
A melancolia vai adentrando o filme e sugerindo a sensação de injustiça em torno do nosso Negro Gato como um artista que poderia ter sido muito maior do que foi. Herdeiro de outros “malditos”, como Jards Macalé, Sergio Sampaio e Elza Soares (todos exibidos em imagens raras com Luiz Melodia) e abençoado por tropicalistas como Waly Salomão e Torquato Neto, Luiz Melodia – No Coração do Brasil se encerra como um filme belo, tocante e agridoce, por revelar detalhes da vida de um brasileiro que merecia muito mais louros do que teve.
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