Tom Sherbourne, protagonista do drama A Luz Entre Oceanos, que hoje estreia nos cinemas, tem a melancólica elegância de um homem que conhece a dor de perto. Veterano da Primeira Guerra Mundial, na qual lutou por quatro anos, o personagem, vivido por Michael Fassbender (de Steve Jobs), carrega no olhar uma expressão contida, vazia, decorrente de ter visto o horror de perto. Talvez em busca de uma espécie de autoexílio, ou inconfessa punição, pela barbárie que testemunhou e da qual participou ativamente, ele aceita trabalhar como substituto do faroleiro na remota e inabitada ilha de Janus, situada na costa oeste da Austrália, entre o Índico e Pacífico.
Adaptação do romance homônimo de M.L. Stedman, que se tornou best-seller internacional em 2012, o filme de Dereck Cianfrance (do ótimo Namorados para Sempre) é um belo drama histórico que, embora por vezes derrape em eventuais excessos melodramáticos, consegue, por fim, se impor por suas várias qualidades, e oferecer ao espectador uma experiência cinematográfica marcante, ainda que assumidamente acadêmica.
Há em A Luz Entre Oceanos a intenção de que o belo desolamento da paisagem da Janus seja uma extensão da alma ao mesmo tempo introspectiva e atormentada de Sherbourne. Homem e paisagem tornam-se indissociáveis. Esse é um dos méritos do longa.
A jornada trágica do protagonista parece encontrar uma trégua quando ele conhece Isabel (Alicia Vikander, vencedora do Oscar de coadjuvante por A Garota Dinamarquesa), em uma pequena cidade de onde partem os raríssimos barcos para a ilha. A paixão entre eles nasce já na primeira troca de olhares, na melhor tradição das grandes histórias de amor do cinema, à qual o filme faz questão de prestar homenagem sem pudores.
É notável o entrosamento entre Fassbender e Vikander, que formam um casal arrebatador, emprestando a seus personagens intensa complexidade, tanto nos momentos de paixão quanto nos de perplexidade e desespero.
Sherbourne e Isabel se casam e se mudam para Janus, onde vivem em harmonia e felicidade quase edênicas até ela sofrer dois abortos espontâneos, ambos quando já estava em avançado estado de gravidez. O trauma da perda dos bebês começa a desestabilizar pouco a pouco a vida do casal. O desolamento do cenário natural onde estão termina por contaminá-los.
É notável o entrosamento entre Fassbender e Vikander, que formam um casal arrebatador, emprestando a seus personagens intensa complexidade, tanto nos momentos de paixão quanto nos de perplexidade e desespero. Impossível não torcer por eles. Até quando cometem o grande erro de suas vidas, que também representa para o filme um ruído melodramático, que poderia ser fatal, não fosse a direção elegante e segura de Cianfrance.
Numa manhã, surge no mar de Janus um bote. A bordo, uma menina recém-nascida e o corpo de um homem, possivelmente pai da criança. O dever de Sherbourne, como faroleiro, seria notificar as autoridades australianas do ocorrido, mas Isabel o convence a adotar a menina, e omitir de todos que ela sofreu um segundo aborto. Anos mais tarde, na cidade natal de Isabel, eles encontrarão, um pouco ao acaso, Hannah (Rachel Weisz), uma mulher ainda em luto pela perda no mar de seu marido e a filha. A força do destino marca sua presença mais uma vez, e desencadeia uma série de acontecimentos dramáticos, e lacrimejantes, que colocam o filme em risco.
O excelente elenco, a contida, ainda que arrebatadora, trilha sonora de Alexandre Desplat e a mão firme do diretor contêm um estrago maior, conseguindo tornar plausível, e verossímil, uma trama que tinha quase tudo para virar um novelão. Ao fim e ao cabo, o que fica na memória é a primeira hora do filme, a verdade do amor entre Sherbourne e Isabel, corpo e alma de A Luz Entre Oceanos.
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