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A violência que não se vê em ‘Manas’

Com sensibilidade e contundência, 'Manas', de Marianna Brennand, premiada no Festival de Veneza, retrata o abuso estrutural em uma comunidade amazônica sob o olhar de uma menina, e faz do silêncio um dispositivo narrativo poderoso para expor o trauma e a resistência.

porPaulo Camargo
19 de maio de 2025
em Cinema
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Jovem atriz paraense foi descoberta na periferia de Belém. Imagem: Globo Filmes / Divulgação.

Jovem atriz paraense foi descoberta na periferia de Belém. Imagem: Globo Filmes / Divulgação.

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Há filmes que não apenas contam histórias — eles as escavam. Em Manas, longa de estreia de Marianna Brennand, o cinema é convocado como ferramenta de escuta e denúncia, mas também como instrumento de afeto e memória. Exibido no Festival de Veneza de 2024, do qual saiu premiado, o filme se ancora em uma premissa tão delicada quanto urgente: como representar, sem recorrer ao trauma visual, a experiência de abuso vivida por mulheres em comunidades ribeirinhas isoladas da Amazônia? A resposta de Brennand é estética, ética e profundamente sensorial.

A narrativa se constrói a partir do ponto de vista de Tielle (Jamilli Correa), menina de 13 anos que vive com a família em uma casa modesta nas margens do rio, na ilha de Marajó. À primeira vista, o cotidiano é marcado por gestos rotineiros: ir à escola, ajudar a mãe nas tarefas domésticas, brincar com os irmãos menores. Mas logo o espectador se dá conta de que esse cotidiano é atravessado por fissuras invisíveis, que revelam uma rede de violência estrutural. A infância de Tielle é uma zona de tensão constante — ela está à beira do abismo, mesmo quando sorri.

Brennand opta por uma encenação contida, que confia na força das elipses e dos não ditos. O abuso, tema central do filme, raramente é nomeado e jamais mostrado graficamente. A diretora se afasta do sensacionalismo e aposta na sugestão, no desconforto que emana dos olhares pesados, dos silêncios longos, da angústia que se insinua nos corpos. O filme constrói uma linguagem do trauma que é, ao mesmo tempo, contenção e urgência.

Brennand opta por uma encenação contida, que confia na força das elipses e dos não ditos. O abuso, tema central do filme, raramente é nomeado e jamais mostrado graficamente.

Nesse sentido, a atuação de Jamilli Correa é central para o êxito da proposta. Sua Tielle é uma personagem complexa, feita de nuances contraditórias. Ainda que demonstre uma maturidade precoce diante da violência, jamais deixa de ser criança — desenha com entusiasmo, ri com a irmã pequena, deseja a atenção do pai. O espectador acompanha, em tempo real, o processo de desintegração dessa infância, corroída pela experiência do abuso e pelo pacto de silêncio que envolve a comunidade.

A escolha de Brennand de situar a trama em uma comunidade isolada da região amazônica não é casual. Manas, vencedor do prêmio de melhor filme brasileiro da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2024), revela como o isolamento geográfico potencializa o silenciamento das vítimas. Ali, a violência não é exceção, mas estrutura: mulheres abusadas por familiares e homens em embarcações comerciais, em trocas marcadas por uma lógica de exploração e submissão. A escola, em tese espaço de emancipação, também se mostra cúmplice do apagamento: livros didáticos com páginas grampeadas — exatamente aquelas que tratam do corpo feminino, da sexualidade e do direito ao conhecimento.

A mãe de Tielle, Danielle (Fátima Macedo), encarna com pungência a figura da mulher silenciada. Sua passividade diante do que se impõe à filha pode, à primeira vista, sugerir conivência. No entanto, Brennand evita julgamentos fáceis: Danielle é também vítima de um sistema de opressão e medo, marcada por experiências traumáticas que não encontra meios de elaborar. A dor materna, nesse contexto, não grita — ela implode. E é justamente essa implosão que confere densidade à personagem e torna sua presença tão inquietante.

A direção de fotografia, assinada por Pierre de Kerchove, aposta em planos fechados e câmera próxima, gerando uma sensação de claustrofobia e confinamento. A natureza exuberante da região é constantemente contraposta à sensação de aprisionamento que domina os personagens. A floresta e o rio, longe de serem metáforas de liberdade, tornam-se testemunhas silenciosas de um ciclo brutal que se repete entre gerações.

A montagem, marcada por pausas e cortes secos, reforça o impacto emocional da narrativa. Não há alívios fáceis, nem catarses redentoras. Manas não oferece soluções: propõe, ao contrário, o enfrentamento do desconforto, o mergulho no não dito, o reconhecimento da dor como experiência coletiva. O título do filme — Manas — é, ele mesmo, uma convocação à escuta entre mulheres, à construção de redes de cuidado e solidariedade onde antes só havia silêncio.

Ao final da projeção, uma dedicatória às mulheres que inspiraram o filme — e àquelas que ainda não puderam contar suas histórias — ecoa como manifesto político e poético. Marianna Brennand não apenas denuncia, ela dá forma a uma escuta ativa, ética, que recusa a espetacularização da violência e aposta na potência do olhar infantil como catalisador de mudança.

Manas é, assim, um filme que incomoda e mobiliza. Um gesto cinematográfico raro, que encontra beleza e resistência mesmo nas frestas mais sombrias de uma realidade brutal. E que nos lembra, com delicadeza feroz, que romper o silêncio é também criar outras possibilidades de futuro.

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Tags: CinemaCrítica de CinemaManasMarianna Brennand

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