O longa-metragem Manglehorn (David Gordon Green; 2014), um filme de ator, dependente de seu protagonista, não à toa interpretado por Al Pacino, narra a história de um homem frustrado, que leva a vida abrindo portas alheias, acidentalmente fechadas. Como chaveiro é bem sucedido, mas quando precisa abrir as portas da sua vida, continua preso ao passado.
Angelo Manglehorn (Al Pacino) tem um passado misterioso. Na narrativa presente, leva uma vida de chaveiro recluso em uma cidade pequena. Aos poucos, descobrimos em seus pensamentos em voz off e leituras de cartas que as escolhas feitas no passado o levaram a perder a mulher que amava, Clara. Tendo a gata Fannie como única companhia, na casa escura, vivem na clausura de um coração fechado. Manglehorn não vive no mesmo contexto que o filho, dono de uma empresa iluminada, que transmite um mundo vazio. Todas as sextas, vai ao banco e flerta com Dawn. Consumido pelo passado precisa aprender a conviver com o presente.
O protagonista vive uma rotina aparentemente normal, um homem que já teve suas conquistas, um filho, uma neta, uma gata, o próprio negócio, carro, casa e um barco. Um homem que poderia descansar desfrutando das companhias e corações que se abrem para ele. Manglehorn não consegue olhar para o que tem a sua volta. Há pessoas por toda parte, elas falam e para ele é apenas barulho que perturba suas lembranças doloridas, lamentadas. Preso no amor do passado, não ouve, não vê e não vive ao seu redor.
Manglehorn é um homem normal, com uma vida normal. E o que seria aqui normal? Seguir a vida e cumprir com os deveres do dia a dia. Você paga suas contas, preocupa-se com o bichinho de estimação, passeia com a neta, janta com o filho (discute com ele), pede um bolo de chocolate e, dentro da normalidade, é um homem normal.
Manglehorn é um homem normal, com uma vida normal. E o que seria aqui normal?
Segurando um urso de pelúcia, o pai aparece infantilizado frente ao filho. Com a neta, agora segurando o leão de pelúcia, é o momento em que o protagonista demonstra-se confortável, entregando-se ao mundo externo. Manglehorn é um bom homem, mas em algum momento deixou de ver a bondade do mundo.
Um amor que fica no prenúncio é o mais lindo e mais doloroso, é aquele que nunca vai ser futuro, mas permanece vivendo – sofrendo – todos os presentes. Uma relação que acaba antes do fim do amor é a verdadeira tragédia de uma vida. Amar sem doar-se é uma doença sem remédio.
O personagem de Al Pacino tenta sobreviver, marca um encontro, mas não está interessado em Dawn: fala de Clara, como ela era perfeita. Destrói o encontro. A acompanhante desculpa-se por não ser tão boa quanto Clara, ele concorda, pois ninguém é. Uma profunda tristeza encontrar um amor e não permanecer com ele, destruir as possibilidades de novos encontros, destruir aqueles que te encontram.
A gata Fannie engole uma chave e precisa passar por um procedimento cirúrgico para a retirada do objeto, algo que dói, machuca, não pertence, precisa ser retirado e cicatrizar. Alguns amores vivem como objetos engolidos, incomodam, machucam, é como passar por uma cirurgia e um dia sentir-se recuperado. Alguns morrem na mesa cirúrgica ou durante a recuperação, outros passam a vida com a chave dentro do peito, sem girar a maçaneta.
Procurando um final feliz para Manglehorn, o filme torna-se frágil em suas metáforas de recomeços. Um homem que passa mais de 40 anos fechado em si mesmo não abre as portas desfazendo-se de cartas e fotografias. As motivações do roteiro para “o seguir em frente” não são suficientes para um final feliz. Apesar do esforço, que até emociona esse coração clichê aqui, Manglehorn não me convence de seu fim lúdico.
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