O britânico Mark Mylod, criador do filme O Menu, em cartaz nos cinemas brasileiros, tem um tema claro de predileção. Ele é um dos diretores das premiadas séries Succession e Game of Thrones, que, cada uma à sua forma, retratam disputas épicas, quando não sanguinárias, por poder. E neste seu longa-metragem mais recente, o cineasta lança um olhar corrosivo na direção de quem anseia por ter privilégios, dar as cartas, em um mundo regrado pelo cinismo.
Em O Menu, Mylod recorre à chamada “alta gastronomia”, para ir bem além do paladar, e discutir questões como estratificação social, preconceitos e relações de poder. Os diversos pratos, ao longo de um longo jantar noite adentro, tornam-se munições metafóricas para o chef Slowik, vivido pelo ator galês Ralph Fiennes (de O Paciente Inglês), temperar (ou envenenar) os convidados de um grande banquete gourmet com gosto de vingança.
O jantar, realizado numa ilha onde está instalado o sofisticado restaurante de Slowik, reúne personagens que puderam – e quiseram – pagar cerca de R$ 6.600 por cabeça para saborear essa experiência culinária tão única. Seu grande prazer é, também, se sentirem melhores, mais privilegiados, do que o resto dos mortais. E o chef brinca justamente com essa grande porção de arrogância e pretensão que seus convivas compartilham.
A degustação é constituída por pratos conceituais, elaborados a partir de ingredientes “colhidos, fermentados ou gelatinados”. Todos trazem, em seus paladares e entrelinhas, mensagens, algumas mais sutis, outras bem óbvias, que revelam a podridão moral dos convidados, que vão de uma temida e pretensiosa crítica gastronômica (Janet McTeer) a um ator hispânico decadente (John Leguizamo), passando por um jovem alpinista social (Nicholas Hoult) e um grupo de corretores do mercado financeiro, entre outros.
Os ingredientes utilizados na receita gritam ao ponto de brigar uns com os outros, em vez de brincarem com o palato do espectador.
Há apenas uma estranha nesse ninho de víboras: Margot, personagem de Anna Taylor-Joy (da minissérie O Gambito da Rainha), que pode ter ido parar no jantar ao mero acaso e parece ser a única que, desde o início, não consegue digerir o conceito todo, percebendo as más intenções do chef. Ela simplesmente não compra o pacote todo.
Ainda que tenha uma premissa instigante, até certo ponto original, O Menu peca um tanto pela falta de sutileza na orquestração da narrativa. Os ingredientes utilizados na receita gritam ao ponto de brigar uns com os outros, em vez de brincarem com o palato do espectador. Em alguns momentos, na ânsia de surpreender, o filme torna-se apenas indigesto.
O roteiro lembra a premiada série sul-coreana Round 6, no qual o jogo mortal ao qual os participantes se submetem, assim como o jantar em O Menu, serve de ritual sádico de expiação dos pecados cometidos na vida real. O bom elenco, especialmente Fiennes e Taylor-Joy, indicados ao Globo de Ouro por suas atuações, sustenta deste cardápio até os créditos finais, mas O Menu não é tão saboroso quanto pretende.
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