Que o humor desliza solto em Minha Mãe é uma Peça 3: O Filme (2019) não existe qualquer dúvida. Desliza, evapora, explode, transborda. Como muito bem se sabe, Dona Hermínia tem um texto e um ritmo que a transformam em uma espécie de “metralhadora de palavras”. A protagonista interpretada por Paulo Gustavo e inspirada em dona Déa Lúcia, mãe do ator, é verborrágica. Muito verborrágica. Mas é uma profusão de palavras que dificilmente deixam a carga cômica cair. Assim como nos filmes anteriores, a produção consegue compor uma das maiores concentrações de piadas por segundo da história do cinema nacional. Não é à toa que a franquia tem conquistado multidões.
Neste terceiro filme, Dona Hermínia sofre da “síndrome do ninho vazio”. Divorciada e sem os filhos em casa, a mãezona ansiosa, sincera e direta padece de solidão e daquilo que considera ser um misto de independência e ingratidão dos filhos. Na verdade, ela confunde independência com ingratidão: afinal, não é porque os filhos estão cuidando de suas vidas e entram menos em contato que necessariamente amem menos sua mãe. É nesse contexto que Dona Hermínia recebe duas três notícias que acabarão com sua monotonia, solidão e sentimento de distanciamento da família. A filha Marcelina (Mariana Xavier) está grávida e prestes a morar com o companheiro. O filho Juliano (Rodrigo Pandolfo) anuncia o casamento com o namorado. E o ex-marido, Carlos Alberto (Herson Capri), resolve mudar-se para o apartamento ao lado de Dona Hermínia.
Paulo Gustavo foi capaz de construir uma personagem na qual muitos espectadores conseguem identificar características de suas próprias mães, o que os aproxima da protagonista para além das piadas.
É nesse caldo de situações de um neto prestes a chegar, casamento para organizar, convivência com a sogra do filho e reaproximação com o ex que a personagem circula perante o olhar do público compondo um cinema que consegue efetivamente cativar as massas. Paulo Gustavo foi capaz de construir uma personagem na qual muitos espectadores conseguem identificar características de suas próprias mães, o que os aproxima da protagonista para além das piadas.
Sempre marcada pela incontinência verbal, Dona Hermínia dispara para tudo quanto é lado. Para uma das irmãs, atira, sem dó: “Não tem como zerar ódio acumulado”. Mas o contexto da briga familiar, tão comum e com a qual tantos irmãos irão identificar-se, só tende a provocar risos. Um dos tantos lados que acaba virando alvo de Dona Hermínia é a política: “Chega lá [nos Estados Unidos] compra uma saia a trinta dólares, dá uma merda na política aqui e a saia sai pra mais de setecentos reais”. Em determinado momento, a personagem solta uma frase que pode passar despercebida, mas que tem sua importância e muita relação com a característica mais elementar dela própria: “As pessoas transformam o mundo reivindicando, gritando”.
Junto com o humor sempre presente, as situações elaboradas por Paulo Gustavo para o filme, com direção de Susana Garcia, têm seus momentos de tratar alguns assuntos mais sérios. É o caso do combate ao bullying, quando dá apoio ao filho que quis romper padrões e vestir-se com fantasia da boneca Emília em uma festa infantil que tinha como tema os personagens de Monteiro Lobato. Outro exemplo disso acontece durante o casamento do filho, quando o público recebe um discurso emocionado em favor do respeito à homoafetividade. Na ocasião, os espectadores ficam sabendo que a mãe não se importou ao receber a revelação do filho de que era homossexual, mas que apenas ficou preocupada com “o mundo lá fora”, que não entende a condição do filho.
Por estender a inspiração para a elaboração do filme para sua família inteira além da mãe (pai, irmã, marido e filhos), Paulo Gustavo entregou uma obra que acaba desembocando em uma engraçada, agitada, emocionante e levemente politizada homenagem às famílias. Tenham elas a configuração que tiverem.
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