O jovem diretor canadense Xavier Dolan parece não caber em si mesmo. Aos 25 anos, ele já é dono de uma filmografia robusta (Eu Matei Minha Mãe, Amores Imaginários, Laurence Anyways e Tom à la Ferme), que o colocou no mapa do cinema mundial na incômoda posição de garoto prodígio.
Cultuado por muitos, sobretudo pelo público mais jovem, ele divide a crítica. Enquanto alguns exaltam a potência inventiva e visual de seus filmes, a visceralidade das histórias que conta, outros nele enxergam apenas tiques maneiristas, que deixariam entrever um certo caráter narcísico em sua produção exuberante, mas sempre autorreferente.
Mommy, que deu a Dolan o Prêmio do Júri no último Festival de Cannes (dividido, emblematicamente, com Jean-Luc Godard e seu Adeus à Linguagem), pode fazer com que seus detratores passem a olhá-lo de forma diferente. Tudo que vertia sem muito controle em seus filmes anteriores, nunca genéricos mas esforços de certa forma descalibrados de um talento inegável, aqui parece se articular com bem mais maturidade.
Tudo que vertia sem muito controle em seus filmes anteriores, nunca genéricos mas esforços de certa forma descalibrados de um talento inegável, aqui parece se articular com bem mais maturidade.
Em um futuro muito próximo, no qual o regime manicomial regrediu no Canadá, os pais podem delegar ao Estado o fardo de lidar com seus filhos se eles sofrerem de transtornos mentais, sem que eles sejam submetidos a um acompanhamento mais humanizado, no intuito de mantê-los inseridos na sociedade. Diante disso, Diane (Anne Torval, em desempenho espetacular), uma mulher viúva que leva uma vida instável, tanto material quanto emocionalmente, enfrenta o dilema de ter de lidar com o filho adolescente, Steve (Antoine-Olivier Pilon, uma revelação), que sofre de um caso extremo de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e mais parece uma bomba-relógio, sempre a um passo de explodir, causando destruição ao seu redor.
Mais do que a trama, cuja força já é inegável, o que faz de Mommy um dos acontecimentos cinematográficos deste ano são as escolhas estéticas de Dolan para contar essa história, que poderia ter rendido apenas um melodrama familiar banal.
Dolan explora, em boa parte da narrativa, o formato 1:1, em que o cotidiano de Anne e Steve é contido em um quadrado, que limita, oprime. A tela apenas se expande em momentos nos quais a realidade cede lugar ao lúdico, como no instante em que o protagonista, ao som de “Wonderwall” (da banda britânica Oasis), a abre como uma janela, que o permite, ainda que por pouco tempo, respirar, e sonhar com uma vida diferente. É emocionante.
Aliás, o uso da música, quase sempre pop, uma das marcas registradas na obra do canadense, deixa de ser, em Mommy, um “truque” bem aplicado: as canções têm indispensável peso narrativo. É arrepiante a cena em que Diane, Steve e a vizinha Kyla (Suzanne Clément), cantam e dançam na cozinha ao som de “On Ne Change Pas”, hit em francês de Céline Dion, chamada, com certa ironia, pelo garoto de “tesouro nacional”. Aqui, a tela não de expande, mas a alma do filme, sim. Dolan cresceu.
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