O cineasta Ron Howard é um filho dileto de Hollywood. Nascido em uma família de atores, iniciou sua carreira como astro-mirim em séries de televisão, e chegou a participar, na juventude, de filmes importantes, como Loucuras de Verão (1973), grande sucesso de George Lucas, anos antes da consagração do primeiro filme da franquia Star Wars, em 1977, Episódio IV – Uma Nova Esperança.
Como diretor, pode se dizer que Howard é uma espécie de discípulo, ou descendente, da geração anos 70, sobretudo de Lucas e Spielberg, com quem ele tem muitos pontos evidentes de identificação, sobretudo o apreço pelo cinema norte-americano clássico e pela própria História dos Estados Unidos.
Prolífico, Howard conta com uma filmografia extensa, e muito diversificada, ainda que irregular. Transitou pela comédia (Splash – Uma Sereia em Minha Vida e O Tiro Que Não Saiu pela Culatra), pelo cinema de suspense e ação (O Preço de um Resgate) e até pela fantasia (Willow – Na Terra da Magia).
Entre erros e acertos, prova, a cada trabalho, ser um diretor apaixonado por seu ofício, sempre em busca de novos desafios. Entre os maiores acertos, estão o afiado Frost/Nixon, indicado ao Oscar de melhor filme; o épico espacial Apollo 13, grande sucesso de bilheteria que lhe deu o prêmio dos Sindicato dos Diretores; e o drama automobilístico Rush: No Limite da Emoção, sobre a rivalidade na Fórmula 1 entre o inglês James Hunt e o austríaco Niki Lauda. Ah, e não se pode esquecer, é claro, de Uma Mente Brilhante, cinebiografia do físico John Nash (Russell Crowe), vencedor das cobiçadas estatuetas de melhor filme e direção, entre outras, e enorme êxito comercial ao redor do mundo.
No Coração do Mar, que estreia hoje nos cinemas do Brasil, uma semana antes de entrar em cartaz nos cinemas norte-americanos, é, de certa forma, uma versão marítima de Apollo 13, e também um interessante diálogo intertextual com o maior romance da literatura dos Estados Unidos, a epopeia Moby Dick (1851).
É preciso dizer aqui, no entanto, que não se trata de uma adaptação do livro de Herman Melville (1819-1891), mas sim a transposição para a tela grande de uma obra intitulada In the Heart of the Sea: The Tragedy of the Whaleship Essex (2000), de Nathaniel Philbrick, que defende uma tese interessante.
Para escrever Moby Dick, Mellville teria, segundo a narrativa, se inspirado no drama vivido pela tripulação de um navio baleeiro que enfrentou a fúria de uma cachalote no Pacífico Sul, próximo ao litoral da América do Sul.
Em No Coração do Mar, impactante drama histórico de ação, com espetaculares cenas em alto-mar, Melville é vivido por Ben Whishaw (o poeta John Keats no belíssimo O Brilho de uma Paixão), que em uma noite chuvosa chega à localidade de Nantucket (Massachussets) para entrevistar um dos sobreviventes da tal tragédia, ocorrida décadas antes. Trata-se do dono de uma estalagem, Thomas Nickerson (Brendan Gleeson, de Na Mira do Chefe), que era um dos tripulantes do navio quando adolescente.
Para escrever Moby Dick, Mellville teria, segundo a narrativa, se inspirado no drama vivido pela tripulação de um navio baleeiro que enfrentou a fúria de uma cachalote no Pacífico Sul.
Na assustadora história contada por Nickerson, o navio Essex deixa a cidade da Nova Inglaterra sob o comando do capitão George Pollard (Benjamin Walker, de A Conquista da Honra), descendente de uma família local com longa história no comércio de óleo de baleia. Hesitante e inseguro, ele se vê ameaçado pela presença na tripulação do bem mais experiente, mas sem “pedigree”, Owen Chase ( o “Thor” Chris Hemsworth, com quem Ron Howard fez Rush).
As más decisões tomadas por Pollard levam o navio e seus tripulantes a um confronto mortal com uma baleia que parece imbatível e passa a atacar, implacavelmente, a embarcação como o inimigo que de fato é. Chase, então, tem de se impor como líder – e herói.
Um pouco contaminado por valores ecologicamente corretos do século 21, Howard perde a oportunidade de fazer um filme mais vigoroso – não cabe aqui explicar por quê. Mas tem a ver com vislumbrar o passado com os olhos de hoje, e esvaziar um tanto a discussão mais profunda que confronta o homem com a natureza. E o jogo do forças sociais que se estabelece a bordo também poderia ter sido explorado com mais profundidade.
Ainda assim, No Coração do Mar é um espetáculo que enche os olhos e envolve o espectador, partindo de uma interessante hipótese sobre a gênese de um dos maiores romances da literatura mundial. Howard confirma seu talento de realizador polivalente, capaz de lidar com os mais diversos gêneros cinematográficos.
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