A tensão do início de O Nome da Morte (2017) é um chamariz competente pouco visto no cinema nacional. A direção de som engrandece o caos. Campainha que não espera, batidas intensas e insistentes na porta, cachorro latindo incansavelmente, gritos do lado de fora da casa e, dentro dela, um homem bastante agitado e temeroso do que encontrará se abrir a porta. Ele veste uma farda policial, sai e uma multidão começa a persegui-lo em meio a barulhos altos de tiros e muita, muita correria. A agitação aumenta com mais gritos e a inserção de uma música que enaltece a tensão.
A construção cuidadosamente preparada para fazer o espectador prender a respiração (e a atenção) já nos segundos iniciais do filme pretende também avisar que o que virá não é suave. Alerta aos sensíveis: a morte do título está cruamente representada com cabeças estouradas, sangue escorrendo e o take rápido, mas existente, de um corpo em decomposição. A violência é explícita. A decisão do diretor Henrique Goldman de não escondê-la ou maquiá-la é coerente com a história contada. Afinal, trata-se de uma produção baseada na vida real de Júlio Santana, matador de aluguel que assumiu ter assassinado 492 pessoas. Nunca chegou a ser julgado ou condenado por seus crimes. Esteve preso uma única vez, mas foi solto no dia seguinte. Parece coisa de cinema. Até que virou mesmo filme.
O trabalho tem Roberto Berliner (do emocionante e muito bem feito Nise: O Coração da Loucura, de 2015) como um dos produtores. Quem também está presente na ficha técnica como produtor associado é Fernando Meirelles, de Cidade de Deus (2002), O Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio Sobre a Cegueira (2008). Nomes como esses, com trabalhos de respeito em suas filmografias, ajudam a garantir o apuro técnico que a obra apresenta.
Baseado no livro de mesmo nome de Klester Cavalcanti, O Nome da Morte exige de seus atores principais. E recebe. Marco Pigossi como o protagonista; Fabiula Nascimento interpretando Maria (a esposa de Júlio); e André Mattos, no papel do tio policial que “mergulha” o sobrinho no mundo da matança estão bastante inspirados em suas entregas que as cenas dramáticas cobram. E elas não são poucas em um contexto no qual a banalização da morte é extrema. Basta um desafeto conquistado no descompromissado jogo de futebol do fim de semana que lá está o alvo, o assassino contratado e o tiro estourando miolos.
Diante de tanto tratamento de assassinatos como se fossem o simples descascar de uma banana, o espectador tende a ter dificuldade em acreditar que isso aconteceu na realidade, sem qualquer justiça ou punição. O fato que é aconteceu.
Com exceção da cena inicial (que acontece antes, inclusive, de os primeiros créditos apresentarem os destaques do elenco), o roteiro não faz abordagens sobre possíveis reações dos parentes e amigos das vítimas. É uma estratégia usada, ao que parece, para tornar o filme o mais enxuto possível e centralizado nos dilemas éticos (sim, eles existem) e dramas pessoais do protagonista. Mas é uma escolha que causa certo desconforto e estranhamento, do ponto de vista narrativo, considerando que, afinal, são quase cinco centenas de pessoas mortas.
Diante de tanto tratamento de assassinatos como se fossem o simples descascar de uma banana, o espectador tende a ter dificuldade em acreditar que isso aconteceu na realidade, sem qualquer justiça ou punição. O fato é que aconteceu. E, dessa forma, O Nome da Morte ganha uma coloração, uma roupagem histórica e sociológica ao reforçar a ideia de que o Brasil é capaz de abrigar muitos Brasis. Alguns deles, bastante assustadores.