O músico Ney Matogrosso é um enigma. E Olho Nu, documentário do cineasta carioca Joel Pizzini, realizado em parceria com o Canal Brasil, não busca decifrá-lo por inteiro. Mas oferece chaves para que o espectador consiga entender melhor a complexidade tanto do artista quanto do homem, cujas muitas faces vêm desempenhando papel fundamental na história cultural do Brasil desde a década de 70, quando o país foi tomado de surpresa pelo fenômeno muito breve, mas de impacto sísmico, que foi o trio Secos & Molhados, formado pelo cantor, João Ricardo (vocais, violão e harmônica) e Gérson Conrad (vocais e violão).
Daqueles tempos veio a amizade da qual frutificaria Olho Nu, que será exibido amanhã, no encerramento do festival Kinoarte, em Londrina, com a presença do cantor na plateia.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Pizzini conta que a ideia de realizar um documentário sobre a vida e a carreira de Ney Matogrosso surgiu de conversas entre o cantor e o diretor do Canal Brasil, Paulo Mendonça, que foi letrista de muitos sucessos dos Secos & Molhados, como “Sangue Latino”, entre outros. Dessa relação muito próxima, veio à tona primeiro o desejo, e depois o projeto, que, em um primeiro momento, quando começou a se desenhar, em 2008, seria um produto para a tevê, mas depois ganhou corpo e se tornou um longa, encampado pela Paloma Produções, de Paloma Rocha, filha de Glauber.
Acervo
Ney, hoje com 72 anos, sempre teve muito cuidado com a preservação da memória de sua carreira. “Ele tem mais de 500 horas de material gravado. Se concedia uma entrevista em uma cidade do interior, ele pedia cópia, antes que fosse apagada”, conta o cineasta, que já realizou vários trabalhos documentais com o Canal Brasil. Portanto, quando embarcou na proposta de realizar um filme sobre o cantor, uma das primeiras medidas que tomou foi solicitar, com a devida autorização do artista, que todo esse acervo audiovisual fosse digitalizado.
Olho Nu foge ao formato tradicional do documentário biográfico em vários aspectos. Não se pretende uma obra com o intuito de contar, de forma cronológica e linear, a vida do cantor. “Ney costuma dizer que sempre foi, é e sempre será subversivo”, diz Pizzini. Portanto, nada mais natural que um produto cinematográfico sobre ele também contrariasse modelos consagrados do documentarismo.
Olho Nu foge ao formato tradicional do documentário biográfico em vários aspectos. Não se pretende uma obra com o intuito de contar, de forma cronológica e linear, a vida do cantor.
O cineasta conta que, mesmo enfrentando certa relutância de Ney, conseguiu levá-lo de volta a sua cidade natal, Bela Vista, no estado do Mato Grosso do Sul. “No início, ele rejeitou a ideia, dizendo que não havia nada mais lá que se relacionasse a ele. Mas havia”. Em conversa com a mãe, dona Beita, que hoje vive com o artista em um sítio na região de Saquarema, litoral do Rio de Janeiro, ouviu que a casa onde ele nasceu ainda estava lá. E, por coincidência, encontrava-se vazia quando o cantor e a equipe de Olho Nu a visitaram, em 2010.
“Também fomos à fazenda do avô do Ney, onde ele passou momentos muito importantes de sua infância”, relata o diretor, que buscou construir a narrativa de Olho Nu sobre quatro pilares geográficos: essa propriedade rural, a casa de Bela Vista, o sítio em Saquarema, que marca uma espécie de retorno do cantor a suas raízes interioranas, e seu apartamento no Rio de Janeiro, situado no bairro do Leblon. Nesses lugares, em seus corredores, Ney é visto no tempo presente, assim como no palco, no show Inclassificáveis, registrado por Pizzini e nas imagens de acervo.
Como há muitos Neys em um, Olho Nu investiga essas várias facetas do artista, em constante metamorfose, abordando suas muitas histórias, sempre costuradas pela trilha sonora, integrada por canções que gravou ao longo da carreira. “Ele conta suas próprias histórias, mas em terceira pessoa, separando o homem do personagem”. O filme, que depois de Londrina irá percorrer um circuito de mostras e festivais, como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, deverá entrar em circuito comercial em 2014.
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