Não é segredo que o cinema latino-americano ganhou um espaço em âmbito mundial que não se via há décadas – se é que em algum momento fomos a cereja do bolo tal como hoje. Quando digo cinema, estou dizendo em todas as esferas: roteiro, direção e atuação. Com muita força, mexicanos e argentinos (e brasileiros, porém em menor número) romperam, nos últimos anos, muitas barreiras em Hollywood. Contudo, algo ainda pesa na cultura de consumo de cinema para norte-americanos, nada empolgados com a necessidade de ler legendas.
De O Homem do Sapato Vermelho, adaptação do filme françês Le Grand Blond (1972), ao longa Olhos da Justiça, adaptação do excelente filme argentino O Segredo dos Seus Olhos (2009), essa febre ganhou força especialmente com refilmagens de filmes de terror orientais, e não parou por aí.
Seria injusto dizer que dessa “mania” não saiu nada de bom. Martin Scorsese fez um excelente trabalho com Os Infiltrados (adaptação do filme chinês Conflitos Internos), ganhando por ele um Oscar de melhor diretor. Mesmo a adaptação de Sete Homens e um Destino merece palmas, já que o longa assume vida própria, o que o distancia do japonês Os Sete Samurais, de onde o conceito original foi retirado.
Entretanto, a maioria das adaptações são de gosto duvidoso, salpicando tudo tão ao paladar norte-americano que o charme de muitas das produções originais se perdem. O confuso Vanilla Sky, O Grito, Táxi e até Violência Gratuita (mesmo sendo refilmado pelo mesmo diretor, Michael Haneke) são bons exemplos de obras que deveriam ter sido deixadas em nossas mentes com as recordações originais.
O Segredo dos Seus Olhos, excelente filme escrito e dirigido por Juan José Campanella, Oscar de melhor longa-metragem estrangeiro, é uma obra ímpar. Sua adaptação, Olhos da Justiça, escrito e dirigido por Billy Ray (Jogos Vorazes), é uma adaptação muito bem feita da obra argentina, com um elenco estrelado, um novo e pertinente contexto, mas que não alcança seu original no charme.
A maioria das adaptações são de gosto duvidoso, salpicando tudo tão ao paladar norte-americano que o charme de muitas das produções originais se perdem.
O longa argentino narrava a história de um recém aposentado oficial de justiça (interpretado por Ricardo Darín), que passa a escrever um livro baseado em um caso real de estupro, ocorrido 25 anos. Responsável à época pelo caso, ele cria certa obsessão em solucioná-lo, sendo auxiliado por um amigo e por sua chefe, Irene Hastings, por quem nutria uma paixão.
Em Olhos da Justiça, os eventos se passam entre o atentado contra as Torres Gêmeas, em 2001, e os dias atuais. Chiwetel Ejiofor (Doze Anos de Escravidão) é Ray Kasten, um investigador da unidade de antiterrorismo do FBI, enquanto Jess (Julia Roberts) é a “parceira” da vez, uma investigadora da promotoria que teve sua filha brutalmente assassinada, ou seja, a trama no filme de Billy Ray tem um apelo mais próximo de seus protagonistas. Nicole Kidman interpreta a chefe da equipe, Claire Sloan, por quem o personagem de Ejiofor nutre uma paixão.
O avançar do tempo coloca Ray ainda na busca por pistas para solucionar o caso da morte da filha de Jess. Note que por mais semelhantes que sejam, as soluções encontradas para enquadrar a trama no contexto norte-americano são interessantes. Mantém-se o clima angustiante que prende a atenção do espectador, mas, ainda assim, existem detalhes que, para quem tenha visto O Segredo dos Seus Olhos, deixam claro o quanto Olhos da Justiça é um filme bom, porém, sem o charme de seu original.
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