Alguns filmes conseguem ser tão bons que deveriam ser acompanhados, comentados e assimilados por todos. O Passado, do cineasta iraniano Asghar Farhadi, chega a ser uma aula de cinema, tamanha suas competências técnica, artística e narrativa, com um trabalho minucioso na construção do roteiro, dos personagens e da materialização desses na pele (e alma) dos atores escalados.
O Passado relata o relacionamento entre Ahmad (Ali Mosaffa), Marie (Bérénice Bejo), Samir (Tahar Rahim), Lucie (Pauline Burlet), Fouad (Elyes Aguis) e Léa (Jeanne Jestin). Ahmad viaja de Teerã a Paris para formalizar o divórcio com Marie, que agora vive com Lucie e Léa, filhas de um casamento anterior, e com Fouad, filho de Samir, o atual namorado.
Esses laços emaranhados dão origem a um drama composto por uma trama intrincada, mas elegantemente explicada e, portanto, nada incompreensível. Existe tensão crescente oriunda de todas as direções e partindo para todos os lados, alimentando a impressão de que, a qualquer momento, em qualquer canto, algo explodirá. E as explosões acontecem na medida em que pequenos – ou nem tão pequenos – elementos são revelados. A forma precisa e bem concatenada com que isso ocorre é uma das qualidades da obra.
O apuro do cineasta pode ser conferido na profusão de detalhes. É preciso atenção especial para detectar vários pormenores, bem como para sorver a relação que cada um tem deles estabelece com o todo da narrativa. Apesar de “minúsculos”, todos apresentam importância significativa.
O apuro do cineasta pode ser conferido na profusão de detalhes. A foto de Samir que cai diante de Ahmad enquanto este dirige o veículo do atual companheiro de Marie. Um curativo no dedo de Fouad descoberto por Samir enquanto corta as unhas do filho. O fato de sempre haver uma criança por perto quando uma briga entre os adultos ganha contornos mais intensos. Uma lágrima. É preciso atenção especial para detectar esses pormenores, bem como para sorver a relação que cada um tem deles estabelece com o todo da narrativa. Apesar de “minúsculos”, todos apresentam importância significativa. Até a mancha de tinta que aparece na camiseta de Ahmad muitas cenas depois de ele encostar em uma parede recém-pintada mostra a sutileza com a qual Farhadi conduz sua narrativa.
E se existe todo esse cuidado com os detalhes, o que dizer da atenção dispensada à construção dos personagens e dos diálogos? Do equilibrado Ahmad ao revoltado Fouad, passando por todos os demais integrantes da história, cada gesto e expressão facial é eloquente. Todas as palavras, igualmente, são bem selecionadas. E tudo isso para expor ao público o quanto o ser humano é capaz de complicar a vida e deixar que o passado interfira no presente. O Passado é, na verdade, um “grito” sobre o quanto a vida pode ser bem mais leve.
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