Filmes sobre gastronomia podem dar muito certo, ou não. O cineasta chinês Ang Lee (de O Segredo de Brokeback Mountain e As Aventuras de Pi) realizou em sua terra natal, Taiwan, o belíssimo Comer, Beber, Viver (1994), no qual a culinária é uma metáfora para falar de família e tradição, uma vez que o protagonista é um veterano chef viúvo, à beira da aposentadoria e às voltas com as três filhas que começam a sair do ninho. Em Pegando Fogo, comédia dramática que estreou ontem nos cinemas brasileiros, a gastronomia é, contudo, mero adereço, não alcançando qualquer transcendência.
Recém-saído de sua terceira indicação ao Oscar consecutiva, Bradley Cooper (de O Lado Bom da Vida) vive o papel do chef norte-americano Adam Cooper, que atravessa uma profunda crise pessoal. Viciado em drogas e alcoolista, ele quase põe sua carreira a perder em Paris, por conta de seu comportamento errático. Então, resolve começar de novo em Londres.
Para esse recomeço, ele procura Tony (o ótimo Daniel Brühl, de Adeus, Lênin), agora maître de um restaurante de hotel que vai mal das pernas. O rapaz é apaixonado por Adam, e conhece seu talento na cozinha, mas também sabe de seu temperamento intempestivo, de sua falta de estabilidade emocional, que podem colocar tudo a perder.

No centro da narrativa está, sim, o temperamento explosivo do protagonista, que parece ter sido escrito para Cooper mostrar sua (suposta) extensão dramática.
Mas, por conta de seus sentimentos pelo chef e de uma estratégia de convencimento eficiente (e não muito honesta) de Cooper, Tony acaba lhe dando a oportunidade de fazer sua tentativa de recomeço.
Dirigido por John Wells, dos bons A Grande Virada e Álbum de Família, Pegando Fogo tem um roteiro esquemático e previsível. Peca por não explorar melhor o mundo da gastronomia, o usando apenas como pano de fundo – Adam poderia ter qualquer outra profissão, que não faria muita diferença. Quase nunca se fala de comida no filme.
No centro da narrativa está, sim, o temperamento explosivo do protagonista, que parece ter sido escrito para Cooper mostrar sua (suposta) extensão dramática.
Um dos pecados cometidos pelo filme é a forma descuidada com que retrata a homossexualidade de Tony, um personagem humano, simpático, mas subserviente demais a Adam. Em uma sequência constrangedora, o protagonista, sabendo dos sentimentos que o amigo nutre por ele, o beija na boca, em um rasgo de entusiasmo, ao saber que não cometeu um erro que poderia ter sido fatal.
Tony agradece, emocionado, como se tivesse sido beneficiário de um ato de caridade. Quanta condescendência (ou seria homofobia disfarçada?)!

Wells também pisa na bola ao escalar ótimos atores do cinema europeu, como o franco-senegalês Omar Sy (de Intocáveis), o italiano Riccardo Scarmacio (de O Primeiro Que Disse) e a britânica Emma Thompson (vencedora do Oscar duas vezes), para papéis muito coadjuvantes, praticamente figurações de luxo. A inglesa Sienna Miller, com quem Cooper já havia contracenando em Sniper Americano, também não vai muito além disso, ao desempenhar o papel da “mocinha” do filme, uma chef divorciada e que luta para sustentar a filha, e se torna interesse romântico de Cooper.
Pegando Fogo pode até agradar quem busca diversão genérica e ligeira, de paladar pouco exigente, mas não passa de fast food cinematográfica, sem muito tempero. Ou graça.
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