A obra do cineasta Francis Ford Coppola é um território muito fértil para se discutir temas relacionados à masculinidade. O Poderoso Chefão, Apocalipse Now e A Conversação, só para citar alguns dos títulos mais significativos em sua extensa obra, são construídos em torno de homens complexos e atormentados que vivenciam na pele, e sobretudo na alma, todo o peso do patriarcado em um mundo instável, marcado pela violência, quando não pela crueldade. As personagens femininas, quando existem, são coadjuvantes. Na extensa filmografia do diretor, apenas um longa-metragem tem uma mulher como protagonista: o notável, e subestimado, Peggy Sue, Seu Passado a Espera, lançado em 1986.
A personagem-título é vivida por Kathleen Turner (a estrela sensual do clássico Corpos Ardentes), indicada ao Oscar por seu sensível desempenho no papel de uma típica dona de casa da classe média norte-americana imersa numa trama de realismo fantástico. No baile comemorativo aos 25 anos de formatura de sua turma de colégio, ela é coroada rainha e, tomada pela emoção, desmaia. Quando desperta, está de volta à adolescência, agora no fim dos anos 50, mas com toda a experiência de uma mulher madura.
Embora aparente ser feliz e realizada, Peggy Sue esconde um segredo. Está se divorciando de Charlie (Nicolas Cage, de Despedida em Las Vegas), seu namorado desde os tempos de escola que, com o passar dos anos, transformou-se de príncipe em sapo: virou um sujeito agressivo, infiel e distante. Nessa insólita viagem no tempo, a protagonista descobre a possibilidade de reescrever sua vida.
Peggy Sue, Seu Passado a Espera é o sensível, e matizado, retrato de uma mulher madura que percebe os erros cometidos por não ter ousado.
O roteiro de Jerry Leichtling e Arlene Sarner, que também assinaram o belo drama Céu Azul (com Jessica Lange), revela-se muito engenhoso: embora seja, em tese, uma comédia com toques de fantasia, Peggy Sue, Seu Passado a Espera é o sensível, e matizado, retrato de uma mulher madura que percebe os erros cometidos por não ter ousado, por ter dado todos os passos por uma jovem de sua geração e classe social.
Também indicado aos Oscars de melhor figurino e direção de fotografia (assinada por Jordan Cronenweth, de Blade Runner, o Caçador de Androides), o filme reconstitui com requinte e detalhismo uma época mitológica na história dos Estados Unidos. Nós a vemos como o mesmo olhar saudosista e idealizado de Peggy Sue, que aos 43 anos vê seu passado como um refúgio libertador.
Kathleen Turner, então uma estrela, depois do sucesso de filmes como Tudo por uma Esmeralda (1984) e A Honra do Poderoso Prizzi (1985), impressionou a crítica ao mostrar delicadeza e vulnerabilidade, que à época se contrapunham à sua imagem de mulher forte, sensual. Talvez não tenha sido por acaso a filha de Coppola, a talentosa diretora Sofia Coppola, a tenha convidado para um papel central, o da mãe, em seu longa de estreia, As Virgens Suicidas (1999), que inaugura toda uma obra voltada à discussão do feminino. Ela deve ter curtido Peggy Sue, Seu Passado a Espera, do qual participou como atriz na adolescência, no papel da irmã da protagonista.
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