Os antigos acreditavam que retratar-se em pinturas e fotos lhes roubaria a alma, pois, assim como um espelho distorcido, o retrato mostra o ser humano às avessas, um mundo inteiro contrário ao real cheio de representações eternas do Eu.
Diferentemente de nós, o retrato permanece eterno, imortal, observando o mundo se decompor silenciosamente diante de seus olhos. Será que existe algo mais monstruoso que um espectro distorcido de nós mesmos?
Pensando em seu próximo projeto, o cineasta Bertrand (interpretado pelo realmente cineasta Bertrand Bonello) está obcecado pela questão da monstruosidade, e decide visitar museus e galerias acompanhado de uma misteriosa e intrigante historiadora de arte. Entra Caravaggios, Renoirs, Francis Bacons entramos num profundo questionamento sobre nossa natureza, nossa relação com o mundo, com o passado, com o presente e, por fim, sobre a importância da arte neste processo.
É como se Bertrand pudesse, como um voyeur, espiar uma representação de si mesmo através dos olhos da câmera.
É interessante citar que quando Antoine Barraud, o diretor de Portrait of the Artist (Retrato do artista, Antoine Barraud), coloca Bertrand Bonello para interpretar Bertrand (o personagem) enquanto ator, o filme o coloca na mesma posição de análise da pintura, afinal, o que é o cinema além da representação de um recorte da realidade (ou não) em imagem e som?
É como se Bertrand pudesse, como um voyeur, espiar uma representação de si mesmo através dos olhos da câmera. Como se assim, enquanto arte e artista, Bertrand tivesse domínio sobre os dois mundos, o real e o da representação. Aos poucos a obsessão que lhe consome se materializa na forma de uma mancha vermelha em suas costas, que cresce mais a cada dia tornando-se, aos poucos, o monstro que tanto procura. O belo é uma construção subjetiva que depende dos olhos do observador, assim como a monstruosidade pode ser vista no mais doce dos quadros.
O que pensa e planeja uma criatura fadada ao silêncio? Qual o destino do ser que foi criado para observar e ser observado? Que possíveis relações, superficiais ou profundas, podemos estabelecer com a arte? Portrait of the Artist não poderia ter um nome mais claro, é um filme sobre o retrato monstruoso de Bertrand Bonello numa representação de si mesmo. Definitivamente um dos melhores da mostra Outros Olhares deste 4º Olhar de Cinema.
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